Cinquenta anos da revolução ou golpe militar de 1964. Chame-se como quiser, que em nada agrava ou ameniza o peso da ditadura, que se instalou no nosso país causando estragos, principalmente, quando sufocou o movimento estudantil, onde o embate político estimulava o debate dos problemas nacionais nas dimensões sociopolítica, socioeconômica e sociocultural, com larga contribuição à formação das novas lideranças do País.
Politicamente, criou-se um vácuo. A geração dos anos 1940, de onde emergiriam os futuros líderes, teve de submergir e levou consigo sonhos sonhados em debates intermináveis, que embasariam imaginárias utopias. Fechava-se assim, a principal fábrica de lideranças políticas do País, trajetória de tantas ilustres personalidades.
Vinte e um anos depois, em 1985, quando se inicia o processo de redemocratização, o mundo já era outro. Os jovens (agora nem tanto) tinham outras convicções, mas lá no fundo estavam os sonhos do passado, motivo do ingresso de muitos na política partidária e, junto com antigas lideranças de retorno ao País, ainda, alimentavam o ideal esquerdista.
Mas chega outubro de 1989 e a União Soviética desmorona determinando a falência do socialismo, simbolicamente registrada para a história pela queda do “Muro de Berlim”. Direita e esquerda tiveram de ajustar o discurso. Na academia, no entanto, para onde foi parte daquela geração, de onde ajudou a fundar o PT, o discurso continuou o mesmo. Lá, como acontece até hoje, a ideologia marxista continua a ser disseminada com as mesmas promessas.
Fora da academia, porém, o ideário de Marx não mais entusiasma. Ele faz parte de um mundo que passou. A sua “Revolução Socialista” foi até onde podia convencer. E a crítica que fazia a desumanização do homem no processo capitalista era muito procedente. E foi a partir dela, que as relações de trabalho foram alteradas profundamente ao longo do tempo, o que, para ficar no termo, provocou a maior revolução da história da humanidade em favor dos trabalhadores, além de abrir caminhos para outras conquistas sociais.
A educação, também, uma pregação de Marx, o capitalismo a transformou em protagonista dessa revolução, à medida que a reconheceu como o único instrumento real de distribuição de renda sustentável. O efeito colateral desse entendimento tem sido a extraordinária mobilidade social da humanidade, que entrou em inevitável processo de aceleração via desenvolvimento tecnológico, claro resultado da educação de qualidade. E hoje, nem o mais “sanguinolento capitalista” é contra a distribuição de rendas, principal bandeira marxista, que, convenhamos, é de uma lógica meridiana: mais renda mais venda.
De modo que, se espírito tivesse, possibilidade que não cogitava, Marx estaria muito feliz, pois, ainda que por caminhos diferentes aos por ele imaginado, sua teoria trouxe grande contribuição ao desenvolvimento social da humanidade e da própria consolidação do regime capitalista.
A rigor, pode-se dizer que o marxismo favoreceu muito mais às populações que vivem nas imperfeições democráticas do mundo capitalista, do que àquelas confinadas no pesadelo do que resta do mundo socialista, onde ditadores ferozes catequizaram e exploram o proletariado indefeso a quem distribui pobreza.
Voltando ao Brasil. Nós atravessamos todo o período de redemocratização num trevo de estrada sem saber que caminho seguir, dubiedade provocada pela experiência insatisfatória dos anos duros e as amarras ideológicas ainda, fortes, prendia a geração de 1940, que, confusa e sem utopias, começava a assumir o poder, puxada por antigas lideranças.
E foi viajando pelo estreito caminho entre o dúbio e a dúvida, que o País não consegue encontrar o destino da seriedade e da educação de qualidade, paradas obrigatórias para se atingir o desenvolvimento com uma distribuição de renda que entregue ao cidadão a alegria da conquista, em vez da incerteza da esmola ratificadora do fracasso, que, também, alegra os beneficiados pela incapacidade de percepção dos porquês da sua própria realidade, condição que sempre lhes foi negada.
Os anos 1990, além das trapalhadas políticas, trouxe o que poderia ter sido a decisão mais importante da história do Brasil, jamais tomada: universalização do ensino básico. Processo iniciado em 1995, que no final da década contava com 94% das crianças na escola. Tudo parecia que, enfim, com mais de dois séculos de atraso, a todos seriam dadas as mesmas oportunidades, desde a largada, na grande maratona da vida, única forma de fazer justiça social conquistada. Mas falhou.
Não aconteceu o passo seguinte. A qualidade não chegou à escola, condição determinante para o avanço do nosso processo civilizatório, caminho único para o aperfeiçoamento do sistema político, onde a sociedade deve fazer-se incluir. Sem isso, o debate político continua apequenado, a ponto de ser qualificado por um Presidente da República de “nhenhenhém”. Nem sei se é grafado assim, mas é inevitável chegar ao significado: pequeno, irrelevante, sem importância (e por ai vai).
“Povo culto é povo livre” chavão muito usado pela geração aqui referida. Esperava-se, pois, que ela participando do poder a educação teria alta prioridade. Não aconteceu. A opção parece ter sido o poder pelo poder, onde o populismo é instrumento de alta eficácia nas sociedades com baixo grau de civilidade. E o populismo é inimigo um das sociedades atrasadas, pois nunca liberta. Ao contrário, prende como religião e além dos votos compram consciências.
O debate político, tecnologia a parte, remonta aos coronéis de barranco. A essência e a estratégias são as mesmas: ataques à honra, à moral e até à integridade física são poderosos instrumentos de campanha. O compromisso com a ética é tão fugaz quanto às nuvens e dependendo das circunstâncias, um candidato pode ser “Deus” numa eleição e o “Diabo” na próxima, tudo sob a ótica da mesma pessoa. O debate enfim, acontece dentro do que poderíamos chamar de “a retórica do vácuo”.
Mas dizem que a atividade política é abençoada e transforma, de revolucionários a operários, em burgueses bem sucedidos. É a trajetória da fortuna.
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Francisco R. Cruz – maio de 2014 [email protected]