Os deslocamentos humanos provocados por fenômenos climáticos e ambientais são bastante recorrentes na Amazônia. Porém, são pouco debatidos pela sociedade e ainda muito pouco estudados nas universidades. Diversas são as causas dos deslocamentos relacionados às questões climáticas e ambientais
Às margens de quase todo o Rio Solimões o conhecido fenômeno das ‘barrancas de terras caídas’ tem deslocado centenas ou talvez milhares de pessoas. Esse fenômeno está relacionado às questões climáticas, mas, não apenas. Na época da cheia, o Solimões acumula grande carga de sedimentos, areia e lama nas suas encostas. Quando vem a vazante, esse material fica exposto às margens dos barrancos, vai perdendo estabilidade e, se não houver contensão suficiente, começa a escorrega e causa os desmoronamentos dos barrancos que pode também ser agravado pelo desmatamento das matas ciliares e pelo impacto do movimento das grandes embarcações.
Todos os anos esse fenômeno desloca famílias e comunidades inteiras. A grande maioria dos deslocados são moradores de áreas ocupadas tradicionalmente, muitos desde o período da economia da borracha, e não possuem escrituras das terras ocupadas. Isso faz com que, ao serem atingidos pelo fenômeno climático, percam suas casas e referenciais territoriais. São os chamados refugiados ambientais pelo fato de não terem outra opção a não ser abandonar seus territórios.
Os deslocamentos ambientais são recorrentes em toda Amazônia. Por exemplo, a cheia histórica do Rio Madeira que em março de 2014 atingiu seu ápice. Segundo a Defesa civil o rio subiu mais de 18,60 metros desabrigando mais de 12,5 mil pessoas em Rondônia. De acordo com muitos especialistas essa cheia histórica foi agravada pelos impactos das obras do ‘Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira’ composto por duas usinas de grande porte: UHE Jirau (3.450 MW) e Usina Hidrelétrica Santo Antônio (3.150 MW) localizadas nas proximidades de Porto Velho.
Só para citar um exemplo, veja o caso do ramal Santo Antônio que é uma linha rural atingida pelo reservatório da Usina Hidrelétrica de Jirau, que causou, principalmente, o enchimento dos igarapés e, consequentemente, o encharcamento do solo e elevação do lençol freático. Isso gerou a mortandade da floresta, tornou áreas inaptas à agricultura e alagou diversas extensões de terra.
Além disso, a elevação da água também tem interrompido o acesso dos trabalhadores aos seus lotes e o transporte da produção, levando a sérios problemas socioeconômicos, como a perda das criações domésticas (galinhas, porcos e gado) nas propriedades isoladas e as dificuldades de deslocamento para acessar os serviços de saúde e educação fora do ramal. Todas essas consequências geram deslocamentos compulsórios com implicações ambientais na região.
Também são recorrentes os deslocamentos por eventos ambientais impactados pelos processos de extração de minérios como é o caso da Mineradora Tabocas na Vila de Pitinga em Presidente Figueiredo que ao longo da história vem deslocando os povos Waimiri Atroari; a Mineradora Alcoa que atua nos platôs Capiranga, Guaraná e Mauari, localizados nos limites municipais de Juruti no estado do Pará, divisa com Amazonas que vem deslocando um sem número de ribeirinhos e indígenas que viviam nas proximidades das regiões afetadas pelo projeto minerador.
Outro evento que provocou diversos deslocamentos, por ironia, foram as instituições das diversas modalidades do SNUC (Sistema Nacional de Unidades de Conservação), através das RDS (Reservas de Desenvolvimento Sustentável), Flonas (Florestas Nacionais), Resex (Reservas Extrativistas), APAS (Áreas de Proteção Ambiental), Estações Ecológicas, dentre muitas outras modalidades federais, estaduais e municipais aplicadas em toda a Amazônia. Em muitas dessas unidades houve deslocamento arbitrário de populações tradicionais em localidades aonde prioriza-se a preservação da fauna e da flora e rechaçam-se as pessoas. Esses eventos são apenas alguns dentre os diversos em toda a Região Amazônica.
Vê-se muito pouca intervenção governamental nesses eventos porque, na maioria das vezes, o evento em si está assegurado pelo Estado. Ou seja, o Estado protege e permite os grandes projetos, autoriza a ação das mineradoras, dos garimpos, da circulação das embarcações sem atendimento às leis de controle de navegação.
Ou seja, os governos legitimam os grandes projetos que impactam diretamente nos eventos de ordem ambiental e não assumem as consequências dos deslocamentos compulsórios na Amazônia. As iniciativas de resistência ou de enfrentamento, via de regra, dão-se por parte das resistências dos movimentos sociais organizados como é o caso da atuação da CPT (Comissão Pastoral da Terra), do MAB (Movimento de Atingidos por Barragem), do Conselho Nacional de Seringueiros, do Cimi (Conselho Missionário Indigenista) juntamente com diversos outros movimentos indígenas da Amazônia.
Na grande maioria dos deslocamentos compulsórios com status de refúgio ambiental, percebe-se total omissão dos governos que priorizam os grandes projetos, mesmo que estes resultem em danos ambientais irreversíveis e os deslocamentos compulsórios praticamente patrocinados pelo Estado. Da mesma forma que ocorre na Amazônia, os deslocamentos ambientais se reproduzem nas outras regiões do Brasil, quase todos com os mesmos agravantes.
Marcia Oliveira é doutora em Sociedade e Cultura na Amazônia (UFAM), com pós-doutorado em Sociedade e Fronteiras (UFRR); mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia, mestre em Gênero, Identidade e Cidadania (Universidad de Huelva - Espanha); Cientista Social, Licenciada em Sociologia (UFAM); pesquisadora do Grupo de Estudos Migratórios da Amazônia (UFAM); Pesquisadora do Grupo de Estudo Interdisciplinar sobre Fronteiras: Processos Sociais e Simbólicos (UFRR); Professora da Universidade Federal de Roraima (UFRR); pesquisadora do Observatório das Migrações em Rondônia (OBMIRO/UNIR). Assessora da Rede Eclesial Pan-Amazônica - REPAM/CNBB e da Cáritas Brasileira.
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