Contratado pela defesa do presidente, o perito Ricardo Molina divulgou um laudo em que desqualifica o áudio contendo a gravação da comprometedora conversa entre Michel Temer e o empresário Joesley Batista. Molina também contestou a transcrição oficial da frase mais controversa do áudio, a que foi interpretada como um suposto acerto para pagamentos mensais do silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha. Segundo o perito, em vez de “todo mês”, Joesley teria dito “tô no meio”.
Ou seja, para a defesa de Temer, o áudio mais polêmico de todos os tempos nas últimas semanas seria apenas mais um exemplo em que brasileiros “ouvem errado” uma gravação.
De fato, há diversas músicas populares cujas letras não foram ouvidas corretamente e acabaram sendo cantadas em versões alternativas inventadas pelo povo. Um exemplo clássico é um trecho da canção ‘Noite do Prazer’, de Cláudio Zoli. Para muitos brasileiros: “Na madrugada, vitrola rolando um blues, trocando de biquíni sem parar”. O certo: “Na madrugada, vitrola rolando um blues, tocando B.B. King sem parar”.
Uma mais antiga (1936), composta por Mário Lago e Roberto Martins, a “Se essa rua fosse minha” também foi cantada por gerações de forma incorreta: “Se essa rua, se essa rua fosse minha, eu mandava, eu mandava ela brilhar”, quando na verdade é: “Se essa rua, se essa rua fosse minha, eu mandava, eu mandava ladrilhar”.
Algumas versões alternativas tornam as músicas engraçadas. Em “Lágrimas e Chuva” (Kid Abelha), muita gente cantou uma solução estranha para enfrentar as dificuldades: “Eu tô plantando meus problemas que eu quero esquecer”. O correto é: “Eu dou plantão dos meus problemas que eu quero esquecer”. Outra da banda Kid Abelha, “Como eu quero”, passou de “Tira essa bermuda que eu quero você sério”, para: “Tira essa peruca que eu quero você sério”.
“Como nossos pais”, de Belchior, ganhou um trecho alternativo curioso. O original critica o saudosismo: “Você que ama o passado e que não vê” virou uma exótica reprovação à imaturidade, através da comparação ao ponto de cozimento de uma carne (que não é Friboi): “Você que é malpassado e que não vê”.
Na “Whisky a Go-Go”, do Roupa Nova, um trecho em inglês fez muitos brasileiros acharem que a bebida fez o autor falar em um outro idioma para se dar bem. “Eu perguntava tudo em holandês e te abraçava tu e o holandês”. A letra original diz: “Eu perguntava, do you wanna dance? E te abraçava, do you wanna dance?”.
Outras canções que ganharam versões inusitadas e até nonsense graças aos ouvidos criativos do brasileiro. A “Na rua, na chuva, na fazenda (Casinha de sapê)”, de Hyldon, o certo é: “Jogue suas mãos para o céu e agradeça se acaso tiver”, mas muitos cantaram: “Jogue suas mãos para o céu e a cabeça se acaso tiver“. A música “Milla” (interpretada por Netinho) já foi cantada assim: “Mil e uma noites de amor com você, na praia do barco com o farol apagado, um gorila abandonado no maior alto astral”. A canção “Se” (Djavan) foi alterada de: “Mais fácil aprender japonês em braile” para: “Mais fácil apedrejar pôneis em baile”.
Até o hit “Tic tic tac”, do Carrapicho, ganhou uma variante. Mais parecida com letra de funk carioca, essa versão alternativa provável é resultado da “audição ruim” de brasileiros não acostumados às referências ao boi bumbá. O correto “É nessa dança que meu boi balança e o povão de fora vem para brincar”, transformou- se em “É nessa dança que meu pai balança e o bumbum de fora vem para brincar”!
No futebol, escutar errado as orientações “cantadas” pelos treinadores já foi motivo de encerramento de contrato. O treinador Mano Menezes largou o Flamengo, em 2013, alegando que os jogadores do time não compreendiam o que ele dizia. Algo como, ele gritar que o jogo estava mais difícil que “japonês em braile” e os atletas entenderem que é para “apedrejar pôneis em baile”.
Uma frase famosa do compositor inglês John Powell parece bem adequada para o brasileiro entender bem direitinho esse momento em que queremos saber dos nossos líderes de que lado e áudio eles estão: “Para compreender as pessoas, devo tentar escutar o que elas não estão dizendo, o que elas talvez nunca venham a dizer”.
Para que não haja nenhum erro de compreensão: nesses tempos loucos de se “jogar a cabeça para o alto”, o povo precisa “tirar a peruca” e perceber a seriedade da situação e a inutilidade de “plantar problemas”, pois eles frutificam. Como ser “um gorila abandonado no maior alto astral”? Talvez só algum holandês para explicar. Enquanto o “tic-tac” do relógio segue, vale o alerta: “é nessa dança que o pai balança”. Portanto, cuidado com “o bumbum de fora”.
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