Entender a filosofia de Hegel não é preciso para intuir que há um tipo de racionalidade nos processos percorridos pela história. Nem ser PhD em química para saber também que do nada, nada se cria. Isto é, toda a crise política generalizada que colhemos agora foi plantada durante anos. Não se trata de mera recessão, mas sim de um profundo acirramento de suas próprias contradições internas. A ser somada à tragédia, o dever de casa não fora entregue tal como deveria pelos responsáveis combativos.
Dos valores cristãos, o menos admirável é o da culpa – que é sempre minha ou de outrem. Mas no caso do crescimento da melancolia, pessimismo e do analfabetismo político em ascensão – em plena era da informação – a responsabilidade inevitavelmente decai sobre os ombros do Partido dos Trabalhadores. Para ser mais justo: decai sobre a concepção política que ele representou, e com outros realizou de mãos dadas.
Ao contrário do que foi feito na Venezuela, aqui, um governo de esquerda permitiu às massas se afastarem da política de certa forma. No nosso vizinho, principalmente após Hugo Chavez chegar ao poder, se incorporou, na própria dinâmica institucional, cada vez mais a participação popular, dando assim um maior status de protagonismo ao povo – a respeito dos limites políticos de lá.
Por aqui não, nem mesmo no momento em que Dilma era esculachada e golpeada, o PT foi capaz de incorporar as massas para dentro da dinâmica política – enquanto isso se contentava com o peleguismo inacreditável da CUT e outras organizações.
Ao pensar que poderia para sempre se manter no poder, deixou de elaborar um legado digno de um partido de esquerda: todas suas frágeis políticas sociais não tardaram – ou no caso de algumas, não tardarão – em ser varridas pelos liberais e conservadores da vez – ou melhor, de sempre.
E daí se faz sua maior tragédia: o legado do PT quase se encerra nesse fanatismo sob a figura heroica de Lula. Esperam, como esperam um messias, a sua volta. O maior investimento que o PT deixou de fazer foi sobre consciência política popular.
O descrédito, antes de ser apenas do PT ou da esquerda, é sobretudo com a “velha política”, é verdade. A despeito disso, tal crítica ao partido e suas práxis precisa ser feita porque é o que se espera – ou o que deveria se esperar – da esquerda. Se o governo petista não foi verdadeiramente “pro povo”, muito menos “com o povo” ele foi. Para fim de contraste elucidativo, diante de uma práxis de direita isso não é esperado: “Não fale em crise, trabalhe”, a retórica de Michel Temer encontra, agora, de forma inédita, sua primeira grande utilidade.
Se por um lado, todo esse processo de desenergização democrática determinou uma esquerda difusa, melancólica, sem capacidade de fazer autocrítica e de ler o real, por outro, gerou o sair do armário e formalização de uma extrema direita caricata, que ficou votando escondida no PSDB por anos. E por agora, com os tucanos também desacreditados – como demonstra a Folha, exibindo a queda de “John” Dória –, migra para esse bizarríssimo fenômeno eleitoral que é Jair Bolsonaro.
O caricato fascista sobe nas pesquisas utilizando justamente o atalho polivalente deixado pelo PT e seu “populismo”. Pessoas com questionáveis integridades intelectuais o recebem aos gritos de “Mito” – aquilo que é fantasioso ou fantástico – enquanto comentam como eram “mais felizes” na época da ditadura.
Enquanto isso, o ex-militar – que durante décadas na vida política nada fez pelo país ou pelo seu Estado, e ainda colocou infelizes proles na política – grita e saúda a bandeira americana no dia que garante aos trabalhadores que, no seu governo, ou abdicam dos direitos, ou ficam desempregados, provando mais uma vez que nem fascista ele sabe ser direito.
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