Todas as vezes que se pretende instalar um comissão parlamentar de inquérito, no Congresso ou em qualquer de suas casas, um bordão circula no seio da classe política: “sabe-se como começa, mas jamais como termina”. Portanto, todo cuidado é pouco, diz quem procura impedir sua criação.
No País pós-ditadura, duas delas revelaram-se desastrosas para os implicados: a do presidente Collor, que o levou ao impeachment; e a dos Correios, que revelou o Mensalão do PT, com seus principais protagonistas ainda recolhidos à Penitenciária da Papuda. Além de sepultarem projetos políticos com aparência de solidez, como no caso de José Dirceu, que aspirava suceder na presidência o metalúrgico Lula da Silva, os exemplos passaram a assustar.
Quando na oposição, o PT brandia armas com ameaças de CPI, muitas vezes com objetos de uma trivialidade que não conseguiria comover a mais insignificante câmara de vereadores perdida no interior do Brasil. Agora, no governo, foge do inquérito parlamentar como o diabo da cruz. Seus dirigentes e aliados torpedeiam iniciativas investigatórias do Legislativo, como ocorreu no imbróglio Petrobrás, em relação à aquisição da refinaria de Pasadena. Os interessados foram obrigados a bater às portas do Supremo Tribunal Federal, para que restasse respeitado o dispositivo constitucional, como direito assegurado às minorias, em função do quórum exigido para sua formação.
Em princípio, como se pode observar pela leitura da história recente, as situações se invertem sempre. No governo, nada de CPI. Na oposição, nenhum instrumento pode ser tão útil. Bem, em todos os aspectos, trata-se de uma ferramenta das mais valiosas posta a serviço do parlamento, fruto da evolução histórica do constitucionalismo, erigida como norma a partir do século XVIII, na Inglaterra, e introduzida no direito brasileiro com a Carta de 1934.
Ainda assim, sob os efeitos da corrosão das instituições patrocinada pelo lulopetismo, as comissões parlamentares experimentam no momento a mais dura prova. Sendo impossível evitá-las, cuida-se de aparelhá-las com membros comprometidos com o governo e a eleição de seu corpo dirigente, presidente e relator. Como se não bastasse, na CPI da Petrobras no Senado, o vazamento e a entrega prévia de perguntas a serem feitas aos depoentes, com as respostas concertadas, comprometem o instituto e desmoralizam o Legislativo. A tropa de choque do governo petista no Congresso – nos moldes da mesma que atuou no período Collor, tão condenada no passado pelo PT –, com a maior desfaçatez do mundo, advoga que que não houve crime algum, pela palavra esganiçada do líder do partido no Senado, em defesa do espetáculo circense, com perdão dos admiráveis artistas da lona.
É incrível que se possa admitir normalidade na formatação de um gabarito do qual os declarantes, diretores e ex-diretores da Petrobras, incluindo sua presidente, não deveriam se afastar. Tudo arrumadinho, com a cola preparada, em favor de meninos bem comportados, prontos para serem sabatinados e aprovados no vestibular da vergonha e da farsa. E com direito a treinamento de mídia (‘media training’), na sede da petroleira, com o qual foram adestrados à exaustão, com o propósito de evitar o menor deslize perante a CPI, em depoimentos antes uniformizados.
A burla tem sequência com a instauração de uma nova comissão para apurar as denúncias, determinada por Renan Calheiros, frente à gravidade dos fatos. No mesmo passo, o presidente das duas CPIs – uma aberração autoexplicável, senador Vital do Rego, recorre à Polícia Federal com igual objetivo. Pura teatralidade, porquanto sabem que não se chegará a lugar nenhum, uma vez mero expediente destinado a dar satisfação à opinião pública. Pelo menos na aparência, é engraçado que agem na contramão do que declarou a presidente Dilma Rousseff, que não vê nada de irregular nos acontecimentos. No mesmo sentido, Luiz Azevedo e Paulo Argenta, importantes assessores da Secretaria de Relações Institucionais, com gabinetes no coração do Palácio do Planalto, sustentam que atuaram dentro da legalidade, confissão também esposada pelo ministro Paulo Bernardo, das Comunicações.
Enfim, às favas com a teoria clássica da independência e harmonia entre os poderes do Estado, com a submissão do Legislativo ao Executivo. Manda quem tem a chave do cofre e manipula a liberação das emendas parlamentares que destinam verbas orçamentárias aos currais eleitorais de deputados e senadores, que resultam em votos e outras rendas inconfessáveis. Desse modo ou por esses caminhos tortuosos, o Congresso renuncia à competência constitucional exclusiva de fiscalizar e controlar os atos do Poder Executivo, em toda a extensão e em todos os seus braços, perdendo sua própria razão de existir.