No fim do ano passado, o Tribunal de Contas do Estado suspendeu três contratos, mas apenas um ainda estava vigente
MANAUS – No dia 17 de dezembro do ano passado, o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE) Ari Moutinho Júnior suspendeu, através de medida cautelar, três contratos firmados pela Secretaria de Estado da Educação (Seduc) com empresas de consultoria. Foi a primeira vitória, precária, de uma luta iniciada em 2009 pelo então presidente do Conselho Estadual de Acompanhamento e Controle Social do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Professores (Fundeb), Raimundo Torres de Albuquerque.
A vitória é precária porque, quando saiu a decisão de Ari Moutinho, dois contratos já estavam encerrados e pagos. A denúncia chegou ao TCE em 2012, mas só foi concedida a cautelar (uma medida de urgência) no fim de 2013. O TCE suspendeu os contratos por um motivo: as empresas foram contratadas com dispensa de licitação.
O conselheiro acolheu os argumentos dos órgãos técnicos e do Ministério Público de Contas de que não havia motivos que justificassem a dispensa de licitação porque não ficou provado, na defesa que a Seduc apresentou, que só as três empresas estavam aptas a prestar os serviços. “Em apreciação às justificativas apresentadas, verifico que não se constatou evidências de que os serviços das empresas contratadas seriam os mais adequados à realização dos objetos contratuais”, escreveu Ari Moutinho, que mandou notificar o atual secretário Rossieli Soares da Silva e o ex-secretário Gedeão Amorim.
Desvio de finalidade
Mas há outros motivos que levaram o mesmo conselheiro do Fundeb a levar denúncias ao Ministério Público Federal (MPF) e ao Ministério Público do Estado do Amazonas (MP-AM). A principal delas é o uso de dinheiro para pagamento de despesas não contempladas pela legislação que rege o fundo.
Nos cálculos do professor Albuquerque, nos anos de 2010 a 2012, a Seduc usou pelo menos 40% dos recursos do fundo para pagamento de despesas irregulares, o que representa R$ 400 milhões. Entre as despesas está a compra de salgadinhos para eventos, água mineral, aluguel de equipamentos de som para eventos, festa junina e os contratos de consultoria suspensos pelo TCE.
O ex-presidente do Conselho do Fundeb no Amazonas não quis falar com a reportagem sobre o assunto. Alegou que está sendo pressionado a abandonar a causa. Os dados apresentados aqui são de uma pilha de documentos à qual o AMAZONAS ATUAL teve acesso, os mesmos documentos que Albuquerque entregou ao TCE, MPF e MP-AM.
Um dos documentos é um parecer conclusivo relativo à prestação de contas do ano de 2011 do Fundeb. Nele, três conselheiros, inclusive Albuquerque, votaram pela não aprovação as contas, alegando desvio de recursos para outros fins. O parecer foi aprovado com ressalva com cinco votos. Entre os gastos listados no documento estão despesas com “sonorização de eventos, festa junina na Seduc, Festival da Canção de Barreirinha, locação de palcos para apresentação de painéis, festa de confraternização de gestor, uniforme de futebol, Copa Coca-Cola de Futebol de Campo, decoração do Palacete Provincial” entre outras. No documento, os conselheiros alegam que essas despesas deveriam ter sido pagas com recursos do Estado e não do Fundeb.
Pela lei do Fundeb (Lei 11.494/2007), pelo menos 60% dos recursos anuais totais dos Fundos serão destinados ao pagamento da remuneração dos profissionais do magistério da educação básica em efetivo exercício na rede pública (Art. 22).
No Artigo 23, a lei veda a utilização de recursos do Fundeb para financiamento de despesas não consideradas como de manutenção e desenvolvimento da educação básica, ou como garantia ou contrapartida de operações de crédito que não se destinem ao financiamento de projetos, ações ou programas considerados como ação de manutenção e desenvolvimento do ensino para a educação básica.
Contratos milionários
Os três contratos suspensos pelo TCE somam R$ 83.996.693,26. O contrato com a Sangari do Brasil Ltda. é de R$ 68.353.193,26; para serviços de treinamento de professores, equipamentos de laboratórios e fornecimento de material didático para aulas de ciências. Os órgãos de fiscalização e controle foram acionados para investigar por que a Seduc contratou a Sangari sem licitação, uma vez que ela não é a única a fornecer esse tipo de serviço no Brasil. Esse contrato foi assinado em 2011 e tem vigência até 2016. Começou a ser executado em 2012 e logo no primeiro ano foram pagos R$ 21,3 milhões à empresa. No ano passado, a Seduc chegou a empenhar R$ 8,8 milhões à Sangari, mas só pagou R$ 5,7 milhões, deixando o restante da conta para quitar neste ano.
Com a Bain Company, os órgãos técnicos do TCE identificaram, além do contrato de R$ 4.580.000,00, levado pelo conselheiro Albuquerque, outros dois contratos um no valor 3.662.500,00 e o segundo no valor de R$ 2.820.000,00.
A empresa Bain Company pertence aos mesmos sócios da Bain Brasil Ltda., e ambas funcionam no mesmo endereço, na cidade de São Paulo. A Bain Brasil foi contratada por R$ 4.580.000,00 para “serviços de consultoria, visando a definição de melhorias de gestão em subestrutura da organização da Seduc e da melhoria do desempenho dos alunos em exames padronizados”.
A semelhança dos contratos da Bain Brasil e da Bain Company não está só no valor. A Bain Company foi contratada para “serviços especializados visando a implementação de melhoria na estrutura organizacional da Seduc, na estrutura pedagógica e na gestão escolar, objetivando a melhoria do ensino fundamental e médio”.
Seduc: contratos são legais
A Secretaria de Estado de Educação se manifestou a respeito das denúncias através de uma nota enviada pela assessoria de comunicação. Nela, a Seduc afirma que “dos três contratos apenas um está em vigor e ressalta que todos eles (os contratos) obedeceram aos trâmites legais da Lei 8.666, com aprovação da Comissão Geral de Licitação (CGL)”.
Sobre a decisão do TCE, de suspender o único contrato vigente, a Seduc informou que acata a decisão e que, antes mesmo de ser formalmente notificado, o órgão já havia determinado o cumprimento da decisão.
A Seduc informou que o contrato com a empresa Sangari do Brasil (Abramundo) se destina a proporcionar aos estudantes do ensino fundamental uma aprendizagem mais eficaz das ciências, por meio de aulas prático-teóricas cujos itens de pesquisa e insumos vinham sendo repassados rotineiramente às escolas.
Por fim, a secretaria lembrou que “os contratos que já haviam sido encerrados com a empresa de consultoria Bain Company (Bain Brasil) remontam ao ano de 2009, em gestão anterior à do atual governo.”
A reportagem tentou contato com o ex-secretário da Seduc Gedeão Amorim, em sucesso. A assessoria do ex-secretário informou que ele não foi notificado de nenhuma denúncia e que só se pronunciaria depois de receber notificação e tomar conhecimento das mesmas.