Em meio as dificuldades de teorização do cenário e articulação de táticas políticas, sempre se destaca um discurso potente, comumente enunciado por aqueles com semblante mais razoável, com opiniões que desviam dos temidos extremos, com um perigoso e aparentemente sensato discurso de pé no chão.
Isto é, em busca de posicionamentos práticos ou pragmáticos, existem aqueles que adotam o ‘discurso do possível’, em detrimento do utópico. E estão certos por isso. Afinal, nada mais óbvio: é preciso agir de uma maneira plausível, onde exista possibilidade de concretização e de vitória.
Contudo, esse discurso carrega, ao mesmo tempo, ao lado de sua razoabilidade, uma carga alta de periculosidade, quando se trata de táticas com um tom subversivo. Por exemplo: durante anos, toda a esquerda se juntou em torno do projeto petista para que se buscasse uma alternativa progressista por dentro da ordem. Um projeto desenvolvimentista, contemporâneo, que desse dignidade ao povo, e futuro para o país. Longe de visar um socialismo, mas sim um tímido Estado de bem estar ao menos.
Esse projeto ganhou as urnas, e perdeu o povo. Para que o partido dos trabalhadores pudesse ter ao seu lado – pelo menos até o impeachment de Dilma Rousseff – uma burguesia parceira, que lucrou e apoiou o projeto de País, teve que, logo de cara, garantir uma sistemática desarticulação popular. A classe dominante precisava duma garantia para topar o projeto: ter certeza que as classes subalternas não as incomodariam.
O mundo mudou. O capitalismo sorri enquanto claudica. Cava um buraco para tapar outro, e com isso abre crateras ainda maiores. Ele transfere suas crises para sobreviver. Com isso não há saída para países como o Brasil – ou pelo menos é o que garantem os economistas ortodoxos.
Pois então, nesse ponto se encontra o grande xis da questão do Brasil e do mundo contemporâneo: se adequar ao mainstream, realizar políticas de austeridade, conviver com uma crescente perda de direitos e redução dos serviços voltados ao povo, e tudo mais que isso promete causar, ou se organizar, repensar tudo, e criar, a partir dessa grande adversidade, um novo pensamento de esquerda capaz de não só combater a agenda mainstream, como também ter horizontes mais valentes e inovadores para a civilização?
Para superar a barbárie periférica a primeira opção não é, de fato, uma opção. Não existe na história do capitalismo registro de superação real do subdesenvolvimento, dissolução das condições de catástrofe sistemática pelo Laissez-faire. Não é razoável esperar que nosso povo se levante e vire dono de sua própria história sendo ‘ignorantizado’, rebaixado. Ele não pode ser superexplorado em sua jornada de trabalho. Não pode conviver com esgoto a céu aberto – como faz metade da população brasileira -, não pode, vender o almoço pra comprar o jantar, apodrecendo nos corredores dos hospitais, vendo seus filhos morrendo em confronto com a polícia todo dia. Não há espaço para a barbárie aqui.
“Não há recursos para manter tudo isso” poderá dizer o liberal à moda brasileira. Portanto aí está o maior desafio para esquerda. Não só provar que é possível ter, mas de fato fazer ter esses recursos, sem que seu povo sofra mais por isso. É possível que a esquerda se organize, antes de tudo não por um medo de algo, de forma reativa, querendo se defender de algo que assola o povo. Mas mais do que isso: conseguir propor algo! Ter um projeto de esquerda para o País, que caiba em seu espectro todas as visões progressistas possíveis. Em diálogo permanente com o povo, e em desafios progressivos com os ricos!
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