Para quem acompanha o noticiário, é possível acreditar que conforme as notícias vão acontecendo, menos espaço e menos poder a esquerda brasileira é capaz de ter. A condenação de Lula, o rebaixamento das notas de crédito, a indefinição dum candidato progressista de forte aderência popular… Enfim, tudo parece solicitar que engulamos de vez a agenda e o manual da economia ortodoxa.
A tendência, pelo menos a princípio, é a esquerda dar sequência a sua já tradicional centralização, como é feito desde meados do século passado com o Partido Comunista Brasileiro, até exemplos mais atuais – e trágicos – como que constituiu o petismo nesses treze anos.
Por outro lado, há quem diga que isso dá, agora sim, um respiro maior à esquerda – ou pelo menos uma grande oportunidade de fazê-lo. Com a ideologia apologética do mercado atacando por todos os lados, ou a esquerda que fez tradição nas últimas décadas desaparece, ou se radicaliza e se inova definitivamente. No espectro político, o campo de direita cresce cada vez mais no discurso tecnocrático.
Diante disso, a primeira questão que deveria surgir é: até que ponto tal discurso econômico corresponde por ciência, e até que ponto é só mais uma forte ideologia potencializada e camuflada por números? “A burguesia tinha conquistado poder político na França e Inglaterra. A partir de então, a luta de classes assumiu, na teoria e na prática, formas cada vez mais explícitas e ameaçadoras. Ela fez soar o sino fúnebre da economia científica burguesa. Já não se tratava de saber se este ou aquele teorema era ou não verdadeiro, mas se, para o capital, ele era útil ou prejudicial, cômodo ou incômodo, subversivo ou não. No lugar da pesquisa desinteressada entrou a espadacharia mercenária; no lugar da pesquisa científica imparcial, entrou a má consciência e a má intenção da apologética” disse Karl Marx, n’O Capital, sobre a ortodoxia econômica de sua época, e sua pretensa cientificidade.
Em termos práticos e atuais, antes de tudo é preciso forjar uma agenda econômica-política-popular que não apenas seja capaz de levantar o povo e incorporá-lo no poder de fato, mas que também seja capaz de se opor categoricamente a essa propaganda. É preciso entender que o Fórum Econômico Mundial, que aconteceu esta semana em Davos, é incapaz de criticar aquilo que é fundamentalmente o mais problemático dessa situação toda. Ou melhor, ele possui um limite claro, e com isso não irá resolver as contradições do capitalismo contemporâneo, porque na dinâmica interior dessa inteligência é que nasce a crise decisiva de nosso tempo.
Em tempos que a desigualdade bate recordes assustadores e progressivos – desde 2010 a riqueza dos bilionários cresceu 11%, enquanto os salários cresceram em média 2% no mundo – os maiores representantes do poder do capital global se encontram para discutir as saídas para a evidente crise da globalização e financeirização da economia. É difícil da acreditar, mas são as raposas numa reunião pomposa para discutir qual será o futuro do galinheiro. Por mais que possa, ali ou acolá, surgir algum comentário um pouco mais crítico, uma raposa é uma raposa.
Evidentemente que não há nenhum burro ou incompetente ali. O que existe lá – e em todos os cantos políticos e econômicos do mundo, por mais que alguns façam parecer não ser o caso – é a boa e velha luta de classes. Ou seja, as alternativas plausíveis para a redução das desigualdades acirradas nas últimas décadas de forma alguma são desconhecidas por esses membros. Mas são, sim, em sua maioria, negligenciadas. Afinal, estão ali sobretudo representantes de grandes empresas e monopólios. A apologética não é pela verdade. A apologética é pela manutenção da ordem.
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