Por Maria Derzi, da Redação
MANAUS – Com 41 vereadores de 20 partidos diferentes, a produtividade legislativa da CMM (Câmara Municipal de Manaus), este ano, não teve nenhum impacto, na prática, sobre a vida socioeconômica dos manauenses. Em nove meses, os vereadores tiveram pouco interesse ou quase nenhum em elaborar, propor e aprovar projetos de leis que beneficiem a população e contemplem as principais necessidades da cidade, conforme levantamento feito pelo professor Rafael da Silva Menezes, da Ufam (Universidade Federal do Amazonas).
Rafael Menezes apurou que de fevereiro a setembro a CMM aprovou 41 projetos de lei destinados a instituir datas comemorativas e 20 decretos legislativos para conceder medalhas de reconhecimento. Dos 54 projetos pretensamente voltados aos interesses da cidade de Manaus aprovados na casa legislativa, apenas 26 foram propostos pelos vereadores, enquanto que 28 foram de interesses do Executivo municipal. Menezes diz que a vontade do prefeito prevalece sobre os interesses da população.
Ao analisar as propostas dos vereadores, Rafael disse as temáticas não contemplam as necessidades da população e nem os problemas da cidade. Duas delas, segundo Rafael, são incoerentes “pois, ao invés de se preocupar com as necessidades principais da cidade, propõem a alteração do nome de uma quadra esportiva e o reconhecimento de Manaus e Braga (Portugal) como cidades-irmãs. “Onde estão os projetos de lei que tratam dos problemas mais sensíveis da população? Por que não elaborar propostas para aperfeiçoar o sistema de transporte público municipal, por exemplo? E como discutir o sistema tributário municipal sem que a pauta seja proposta pelos vereadores e sem a existência de projetos relevantes sobre essa área?”, questiona.
Rafael, que é doutorando em Direito Constitucional pela UFMG e especialista em Direito Processual Civil pela Ufam, fez a seguinte anélise sobre a produtividade legislativa da CMM.
Amazonas Atual – O senhor acredita que os vereadores não tem interesse em elaborar e aprovar projetos que realmente contemplem as necessidades do povo?
Rafael Menezes – Talvez eu não tenha fé em todos os nossos legisladores, mas eu acredito na dignidade do Poder Legislativo. Não posso aceitar com facilidade que nenhum dos nossos representantes na CMM não tenha tido interesse em aprovar projetos de interesse real da população. Afirmar que não houve interesse seria perigoso, porque colocaria todos os vereadores no mesmo balaio. Precisamos acreditar que há algum resquício de espírito republicano. Todavia, a amostra dos dados relativos à produção legislativa da CMM de 2016 demonstra que a atividade daquela Casa, para não dizer o mínimo, ficou aquém dos problemas enfrentados diariamente pela população. Com todo o respeito à atual legislatura, a produção legislativa foi basicamente panfletária. Quando tentou tratar de alguns problemas vivenciados pelo povo, o fez, majoritariamente, através de um simbolismo de pouco efeito prático. Não há efeitos concretos. Muitas das vezes servem tão somente para que o vereador proponente tire fotos, cative seu reduto político e se coloque, inapropriadamente, como salvador da pátria ou líder de uma luta que não é lutada.
ATUAL – Qual a sua avaliação sobre os projetos aprovados neste ano?
Rafael Menezes – A postura, ao menos em 2016, se não foi de subserviência ao Poder Executivo foi, em geral, para não dizer o mínimo, o papel de um coadjuvante secundário, à espera de um impulso, salvo algumas exceções.
ATUAL – O que falta aos nossos vereadores para que eles exerçam com aptidão e competência o cargo?
Rafael Menezes – Os representantes do povo, seja no Executivo ou no Legislativo, não ocupam essas posições por acaso. Eles foram colhidos dentro da sociedade. Foram eleitos, escolhidos pela população para bem representá-la. Não podem esquecer desse cenário. Talvez falte, na atual quadra, uma dose de responsividade democrática e convivência com os valores republicanos. Eles precisam dialogar constantemente com os cidadãos e responder, permanentemente, às demandas da população. A eleição não entrega um cheque em branco ao eleito. Ele precisa renovar, dia a dia, a confiança depositada. Precisam ter em mente que ocupam uma posição de delegação em relação ao povo. Ele – vereador – não foi eleito para fazer aquilo que intimamente considera oportuno e conveniente. Suas ações e omissões devem se pautar pelo espírito público e pela busca do bem comum, ainda que isso contrarie seus interesses pessoais. É esse o mínimo que se espera de pessoas que se dispõem a representar o povo, a exercer o encargo público. Essas premissas talvez componham o som de uma voz esperançosa. Mas é preciso sonhar. Parafraseando John Lennon: “A dream you dream alone is only a dream. A dream you dream together is reality”.
ATUAL – Ao se ocuparem com trivialidades, os vereadores demonstram serem incapazes de realmente elaborar leis?
Rafael Menezes – O problema, em geral, do contexto em que nos inserimos, não é exatamente a falta de leis. Não se pode imaginar que basta uma lei ou um emaranhado delas para resolver as mazelas sociais. Na verdade, faltam leis de qualidade, que sejam executáveis e que busquem, verdadeiramente, tratar de problemas reais com o uso de soluções viáveis. Causa estranheza que durante o ano de 2016, ano de acirramento da crise política e econômica, caracterizado por níveis alarmantes de desemprego e estagnação econômica, mais da metade dos projetos de lei aprovados pela Câmara Municipal de Manaus estejam relacionados ao estabelecimento de datas comemorativas ou à realização de homenagens. Qual foi a contribuição da CMM na busca por soluções adequadas aos problemas que vivenciamos? O que foi feito para amenizar os efeitos deletérios da crise econômica, para tentar reverter o caos da saúde pública? Qual foi a grande contribuição da CMM para reduzir os entraves burocráticos da nossa economia? Não basta dizer que essas matérias são de competência exclusiva do Poder Executivo, porque não o são. Todos têm sua parcela de responsabilidade em buscar melhores alternativas aos problemas comuns de nossa cidade.
ATUAL – Quais setores o senhor considera que deveriam ter recebido a atenção prioritária da CMM?
Rafael Menezes – Seria pouco criterioso citar várias ideias legislativas com o intento de apontar o que deveria ser feito. Mas é possível citar algumas inovações que podem contribuir para o debate. Por que não tratar de um revisão legislativa total no sistema tributário municipal? Ou, então, criar projetos de lei que facilitem o empreendedorismo, diminuindo as exigências burocráticas? Por que não tratar do problema da falta de moradia e invasão de terras? Por que não criar, no âmbito da Câmara Municipal, um núcleo conciliador entre os cidadãos que apresentem demandas por serviços públicos municipais relacionados à saúde e à educação, por exemplo, e a Prefeitura de Manaus, de forma a tornar o atendimento da população mais próximo e eficiente?
ATUAL – Ao ter uma base de apoio amplo na CMM, esses vereadores aliados ao Executivo evitam se comprometer e deixam para o prefeito o protagonismo de legislar?
Rafael Menezes – Fala-se, constantemente, em caos no transporte público, escolas em ruínas, pessoas sem casa, sem água, sem energia elétrica… e o máximo que a CMM pode fazer é esperar pelo Poder Executivo? É prestar homenagens e criar datas comemorativas? A resposta é desenganadamente negativa. O legislativo tem uma dignidade intrínseca. Não é uma casa acessória da Prefeitura Municipal. Mas só se fará respeitar se deixar de atuar de forma panfletária e simbólica.
ATUAL – Muitos desses vereadores estão novamente nas ruas pedindo votos. Nesse caso, o eleitor deve dar uma nova chance ou cobrar responsabilidades e compromisso?
Rafael Menezes – O eleitor deve ter ciência de seu papel nesse momento fundamental de escolha dos seus representantes. O eleitor que quer o bem da sua cidade não pode ser tão irresponsável quanto os maus políticos. Não há mal, em si, em reeleger um bom vereador. O cidadão deve, no mínimo, avaliar bem as propostas e o histórico dos candidatos. A posição do eleitor deve ser o de responsável perante uma decisiva escolha pública. A vida política não é uma brincadeira sem consequências para dar uma nova chance a quem já a teve e não soube honrar a confiança em si depositada. Os maus políticos sempre vão existir, nós é que precisamos nos levantar contra a má política, precisamos, como disse recentemente a Ministra Carmen Lúcia do STF, “ter a audácia dos canalhas”.
ATUAL – As urnas ainda são o melhor mecanismo para dar um basta aos maus políticos?
Rafael Menezes – Sim. Sem a resposta das urnas, os malfeitores continuarão a perpetrar iniquidades. Isso não quer dizer que todos os candidatos à reeleição sejam ruins e que os novos sejam bons. Não é isso. Até porque ser jovem e atuar na cartilha da velha política não é transformação, é enganação. Consideremos que nossos representantes são nossos servidores e nós temos o poder de destituí-los do poder quando eles profanarem a nossa confiança.
ATUAL – Então, tanto políticos quanto eleitores têm seu grau de responsabilidade?
Rafael Menezes – Os vereadores não são seres alienígenas, não foram trazidos de outras realidades. São pessoas comuns oriundas da nossa sociedade que conhecem – ou deveriam conhecer – nossos problemas e expectativas. De outra sorte, os vereadores não se apossaram dos cargos que ocupam. Foram empossados, em razão de uma escolha pública e democrática. Se eu escolho mal o meu representante eu sou responsável também pelos erros que ele comete no exercício do mandato que eu, cidadão, lhe outorguei.
Excelente entrevista. Reflete a atualidade não só da câmara municipal como do legislativo estadual. Os legisladores eleitos (com raras excessões) se esquecem do povo que os elegeram e passam a seguir a orientação dos executivos cegamente. E a cada eleição, se lembram que precisam dos votos, tiram fotos e fazem propaganda daquilo que novamente deixarão de fazer nos próximos 4 anos.