Da Redação
MANAUS – Acusada pela revista Carta Capital de lucrar bilhões de um sistema de incentivos fiscais no Amazonas que beneficia grandes produtores de refrigerantes em detrimento dos pequenos, e de cobrar créditos tributários por impostos que nunca foram pagos, a Recofarma patrocinou em R$ 3,6 milhões as campanhas de cinco políticos do Estado nas eleições de 2014. Naquele ano, ainda era possível a doação de campanha por empresa privada.
Reeleitos para a Câmara dos Deputados naquele ano, Átila Lins (PSD) e Pauderney Avelino (DEM) receberam da Recofarma R$ 359,9 mil. O parlamentar do PSD levou a maior fatia: R$ 299,9 mil. Enquanto o do DEM recebeu R$ 60 mil.
Para o senador Omar Aziz (PSD), que se afastou do cargo de governador em 2014 para disputar o Senado, a Recofarma doou R$ 300 mil.
Eduardo Braga (PMDB) foi o político que recebeu a segunda maior doação da empresa em 2014. Naquele ano, o senador disputou a eleição para governador. A campanha dele ao Governo do Estado recebeu R$ 1,5 milhão da Recofarma.
Mas ninguém recebeu mais dinheiro da Recofarma em 2014 no Amazonas do que o governador cassado José Melo (Pros). Reeleito governador, o político recebeu da empresa durante a campanha R$ 1.750.000,00.
A disputa para o Governo do Amazonas foi a que mais a Recofarma investiu. Dos R$ 3,6 milhões doados no pleito, Braga e Melo levaram R$ 3.250.000,00.
O que diz a revista
Reportagem da revista Carta Capital, publicada neste domingo, revela os esquemas por trás de um negócio que gera pouco emprego, mas garante lucros bilionários às empresas Recofarma (fabricante da Coca-Cola) e a Ambev (fabricantes das cervejas Brahma, Antarctica, Skol e o refrigerante Guaraná Antárctica), instaladas na Zona Franca de Manaus.
O trabalho feito pela Carta Capital joga por terra os argumentos de que o Ministério da Fazenda mudou o enquadramento da Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM) para a fabricação de extrato de concentrados de refrigerantes no Polo Industrial de Manaus para prejudicar a indústria local. Ou que houve uma mudança meramente burocrática que, por acaso, atingiu a indústria da Zona Franca de Manaus.
O buraco é mais embaixo. De acordo com a reportagem, o sistema de incentivos fiscais beneficia grandes produtores de refrigerantes em detrimento dos pequenas produtores, e as empresas instaladas na Zona Franca de Manaus cobram créditos tributários por impostos que nunca foram pagos. Nessa brincadeira, as gingantes dos concentrados de refrigerantes embolsam por ano o equivalente a R$ 7 bilhões (na pior das hipóteses), com a isenção de IPI.
Por outro lado, os preços cobrados por essas indústrias beiram o absurdo, principalmente no mercado local. “Notas fiscais obtidas pela equipe do site ‘O joio e o trigo’ mostram que 1 quilo de concentrado da AmBev e da Coca produzido na Zona Franca custa até 450 reais. O preço mais baixo encontrado foi de 169 reais’, diz a Carta Capital.
A revista esclarece que o xarope produzido pela Recofarma em Manaus abastece as engarrafadoras da Coca-Cola no Brasil, Argentina, Colômbia, Paraguai, Venezuela, Uruguai e Bolívia. “Analisados os dados do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, conclui-se que o quilo do mesmo produto no mercado externo sai por 22 dólares, em torno de 70 reais.”
“Ou seja, na melhor hipótese, o preço praticado no mercado interno é duas vezes maior. Na pior, mais de seis vezes. De acordo com os dados de produção industrial do IBGE, o valor do xarope produzido no Amazonas em 2015 teve média de preço de 138 reais por litro. Em São Paulo, o produto saía a 30,47 reais. Em outros estados, a 61 reais.”, diz a reportagem.
Enquanto o negócio gera lucros bilionários, faltam empregos. “As maiores empresas de concentrados respondem por menos de 1% da mão de obra empregada na Zona Franca de Manaus, mas detém de 12% a 13% do faturamento”, esclarece a Carta Capital.
“Enquanto o número de trabalhadores se multiplicou por dez entre 1988 e 2013, o ganho em dólares aumentou 200 vezes. Segundo levantamento da Superintendência da Zona Franca de Manaus, havia 2,66 mil funcionários no setor químico em 2016, ante 29 mil no de eletroeletrônicos e 13 mil no de duas rodas.”, completa.
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