Do Estadão Conteúdo
SÃO PAULO – Steven Spielberg, de 71 anos, ajustou os óculos trifocais na entrevista coletiva para falar sobre seu novo filme de ficção científica, Jogador Nº 1, que estreia nesta quinta, 29, no Brasil. As pessoas diziam que o caríssimo filme traz de volta os dias de glória de Jurassic Park – O Parque dos Dinossauros e E.T. – O Extraterrestre. “Meu Deus, que noite”, lembrou Spielberg, ainda sorrindo. “Senti como se tivesse 10 anos.”
Mas não havia como escapar de uma pergunta incômoda: ele está tentando mostrar que não perdeu o toque? Os espectadores saírem da estreia de Jogador Nº 1 dizendo que a velha magia de Steven Spielberg está de volta pode significar também que ele a havia perdido – que seus últimos filmes “divertidos”, incluindo O Bom Gigante Amigo e Indiana Jones e O Reino da Caveira de Cristal, não foram assim tão divertidos.
Mas Spielberg respondeu num tom gentil. “Tenho andado muito ocupado para ter tempo de conviver com sucesso ou fracasso”, disse ele. “Ando sempre depressa e não olho muito para trás. É por isso que não vejo meus filmes numa tela de cinema depois que os faço”, confessou. “Aquela imagem de Gloria Swanson sentada na sala lembrando sua glória passada me persegue”, continua ele, aludindo a Crepúsculo dos Deuses. “E aí prometo a mim mesmo que nunca vou me curvar a reminiscências nostálgicas.” A menos que ele tenha feito um filme de reminiscências nostálgicas.
Jogador Nº 1 é uma adaptação do romance de Ernest Cline, de 2011. O livro transborda de referências à cultura pop dos anos 1980 – uma era cinematográfica dominada pelo diretor, tanto como diretor quanto como produtor (De Volta para o Futuro, Os Goonies, Poltergeist – O Fenômeno). O título em inglês, Ready Player One, vem das palavras que apareciam num antigo jogo Atari quando a cena mudava. O roteiro, de Zack Penn e Cline, corteja os filmes de John Hughes e incorpora Thriller, de Michel Jackson, Mechagodzilla e Chucky. Melodias de Twisted Sister, Van Alen e Joan Jett povoam a irônica trilha sonora.
No filme, o adolescente Wade Watts (Tye Sheridan, mais conhecido pelo filme indie Mud) vive num imundo e superpovoado camping de trailers em Ohio. O ano é 2045 e a maioria dos americanos desistiu de uma vida convencional.
As pessoas agora passam o tempo usando óculos de realidade virtual, explorando um suposto mundo em 3D chamado Oásis como se de fato estivessem lá. Oásis, criado por um bilionário excêntrico, é um lugar maravilhoso e Wade, um saudosista dos anos 1980, e sua namorada, Samantha Cook (Olivia Cooke, de Eu, Você e a Garota Que Vai Morrer), correm para vencer uma caça ao tesouro antes que uma corporação maligna o faça.
Escrevendo sobre Spielberg antes da estreia, o crítico de IndieWire Eric Kohn tuitou: “Em termos de puro espetáculo, é a coisa mais impactante que ele já fez”. Como cineasta, Spielberg oscila entre o prestígio e a pipoca – por exemplo, lançando num mesmo ano A Lista de Schindler e Jurassic Park – O Parque dos Dinossauros, e saltando diretamente de Indiana Jones e o Templo da Perdição para A Cor Púrpura. Mas, ultimamente, os resultados têm sido mais assimétricos. Os três últimos filmes históricos de Spielberg (The Post – A Guerra Secreta, do ano passado, Ponte dos Espiões, de 2015, e Lincoln, de 2012) fizeram sucesso, receberam indicações para o Oscar de filme e geraram amplas bilheterias. Ao mesmo tempo, seus três últimos filmes voltados para o grande público não corresponderam às expectativas.
O mais recente, O Bom Gigante Amigo, adaptado do livro de Roald Dahl, foi um fracasso de bilheteria. As Aventuras de Tintin, baseado no personagem de quadrinhos belga e feito com animação motion capture, deu prejuízo à Paramount em 2011. Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal deu ótimas bilheterias em 2008, mas os fãs em geral detestaram a história. O filme foi considerado uma cínica máquina de fazer dinheiro. Isso deixa Guerra dos Mundos como último blockbuster de Spielberg. Mas o filme é de 2005, uma outra era de Hollywood.
“À medida que ele foi envelhecendo, ficou menos interessado em fazer a plateia se emocionar e mais focado em experimentar”, disse Jeanine Basinger, fundadora do programa de estudos de cinema da Wesleyan University. “Mas nem todo experimento artístico funciona”, afirmou. “Ele fez vários filmes ‘divertidos’ nos quais falta alguma coisa. O Bom Gigante Amigo é estranhamente sem vida. Tintin é elaborado demais. E o último Indiana Jones não é bom.”
Spielberg concorda com Basinger quanto à emoção. “Nos meus primeiros filmes, de Tubarão a Os Caçadores da Arca Perdida e E.T., eu contava a história da plateia para a plateia. Não faço isso desde Jurassic Park, e isso foi nos anos 1990.”
Por que não? “Porque estou mais velho”, responde, com uma gargalhada. “Hoje me sinto mais responsável por contar histórias com significado social.” E acrescentou: “Se tiver de escolher entre um filme 100% voltado para o público e um que me sensibilize, darei sempre preferência à história sobre cultura popular. E, mesmo com pipoca, um filme como Jogador N.º 1 ainda tem de ter significado social”.