O site do Conselho Nacional de Justiça apresenta cinco notícias em destaque: “Presos custeiam reformas em escolas públicas no MS”, “Liminar determina reajuste de subsídio a magistrados sem o aval das assembleias legislativas”, “Justiça Restaurativa ajuda a combater a violência entre os jovens em São Luís (MA)”, “Instituição parceira do CNJ emprega detentos na construção de casas populares” e “Slogan da Justiça Trabalhista do Paraná reforça importância da conciliação”.
Vejam que três dos cinco destaques são de ações relacionadas ao sistema prisional, tema que se tornou, nos últimos tempos, a principal preocupação do conselho criado em 2004 para exercer a função de controle externo do Poder Judiciário. Mas a notícia que chama a atenção e que merece maior reflexão é a da liminar que determina reajuste de salários dos magistrados sem a necessidade de aval das assembleias legislativas. Não pelo fato, em si – talvez seja mesmo desnecessário esperar o retorno dos deputados para referendar uma decisão que já foi tomada pelo Congresso Nacional – mas pelos antecedentes recentes do Conselho Nacional de Justiça, que revelam o espírito de corpo que a instituição incorporou desde 2012.
Lembremos outra decisão do CNJ tomada em outubro do ano passado, divulgada sob o título “CNJ aprova regulamentação do auxílio-moradia para magistratura”. Naquela ocasião, em o ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux havia estendido para toda a magistratura um benefício questionável pelos cidadãos honestos, esperava-se do órgão de controle externo pelo menos uma reflexão mais crítica de um auxílio que, todos sabem, significava apenas um reajuste de salário travestido. Como aceitar que um órgão com a competência do CNJ fosse referendar um ato condenável por parcela da sociedade, corporativo e com caráter liminar (até hoje o Supremo não julgou recurso da Advocacia Geral da União contra a liminar de Luiz Fux)?
Dipp e Calmon
O Conselho Nacional de Justiça teve seus melhores dias entre 2008 e 2012, com a passagem do ministro Gilson Dipp (2008-2010) e da ministra Eliana Calmon (2010-2012) pela Corregedoria Nacional de Justiça. Foi na gestão de Dipp que os tribunais de Justiça de todo país começaram a ser devassados e os magistrados corruptos, punidos.
O trabalho de Dipp teve continuidade, de forma ainda mais eficiente, na gestão de Eliana Calmon, o que gerou uma gritaria geral nos bastidores do Judiciário, a ponto de a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) ingressar, no fim de 2011, no Supremo Tribunal Federal, com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade questionado pontos da Resolução 135 do CNJ, que uniformizou as normas relativas ao procedimento administrativo disciplinar aplicável aos magistrados. A AMB queria, por exemplo, que a Corregedoria Nacional de Justiça fosse impedida de investigar e punir magistrados antes de o malfeitor passar pelo julgamento das corregedorias de seus tribunais – todos sabem que o corporativismo não permite a essas corregedorias agirem com isenção.
Apesar de não conseguir todos os pontos e perder no essencial – os ministros decidiram, por maioria de votos, que o CNJ pode iniciar investigação contra magistrados independentemente da atuação da corregedoria do tribunal, sem necessidade de fundamentar a decisão –, a ação da AMB serviu para “inibir” o Conselho Nacional de Justiça, que passou a cuidar de assuntos menos incômodos à magistratura, e a cuidar de defender os interesses daqueles que deveriam ser o alvo principal das ações de um órgão de controle externo.
Apesar de as ações do passado da Corregedoria Nacional terem gerado resultados que permanecem até hoje, como a transparência na divulgação de dados e ações dos tribunais de Justiça, outros problemas não foram remediados, como por exemplo, a morosidade no julgamento de processos, as decisão suspeitas para favorecer determinada parte, a seleção proposital de processos para julgamento ou para não julgamento, dependendo do interesse das partes, entre outros.
A questão salarial dos magistrados precisa ser discutida com a sociedade de forma transparente, debatida com seriedade, porque não é justo que os membros da magistratura, pela importância do cargo e pelo poder que representam, sejam mal remunerados. Neste mês, passa a valer a remuneração aprovada pelo Congresso Nacional em dezembro, que elevou o subsídio dos ministros do STF para R$ 33,8 mil. É pouco? Quando deveria ser? Não é o valor dos salários que se questiona, mas a forma como as entidades da classe e o próprio CNJ têm tratado o assunto, sob a sombra de decisões questionáveis, como foi a de Luiz Fux.
Ao referendar decisões como o auxílio-moradia, a famigerada Parcela Autônoma de Equivalência e outras formas discutíveis de “remunerar” a magistratura, o CNJ só ajuda arranha a imagem que fez dele um dos órgãos de controle mais respeitados do País no passado recente.
Valmir Lima é jornalista, graduado pela Ufam (Universidade Federal do Amazonas); mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia (Ufam), com pesquisa sobre rádios comunitárias no Amazonas. Atuou como professor em cursos de Jornalismo na Ufam e em instituições de ensino superior em Manaus. Trabalhou como repórter nos jornais A Crítica e Diário do Amazonas e como editor de opinião e política no Diário do Amazonas. Fundador do site AMAZONAS ATUAL.
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