MANAUS – Os organizadores da invasão de uma área do Distrito Industrial 2, na zona leste de Manaus, afirmam que cerca de 5 mil pessoas já demarcaram um lote de terras. Pelo menos quatro líderes organizam a distribuição dos lotes em cerca de 4,5 milhões de metros quadrados de terras públicas e particulares. Por enquanto, eles trabalham na derrubada da mata e na limpeza do local para, em seguida, fazerem a demarcação das ruas. Homens, mulheres, crianças, idosos convivem com muita fumaça da queimada de galhos de árvores de todos os tamanhos.
A equipe de reportagem da AMAZONAS ATUAL entrou no local nesta sexta-feira, 2, e conversou com dois líderes, que pediram para não serem identificados. Uma mulher afirma que não liderou a ocupação, mas foi convidada por dois homens que já lideravam um grupo de pessoas. “Eu trabalha com movimento social e tenho 1.133 famílias cadastradas nos programas dos governos para receberem casas, mas essas pessoas nunca são contempladas”, disse a mulher.
Ela afirma que ao chegar no local, os terrenos coberto de floresta já estavam todos ocupados. “Não conseguimos mais terra lá pra dentro e o meu pessoal ficou aqui fora. Nós estamos aqui para ocupar o espaço, porque ainda não tem nada garantido”, afirma. “Fora” significa à margem esquerda da Avenida Flamboyant, no Distrito Industrial 2, uma via asfaltada que dá acesso a sítios e a terrenos onde estão se instalando empresas. Um dos sítios é o “Dom Bosco”, dos Salesianos, que fica bem ao lado do local invadido, protegido por um muro (ver imagem abaixo).
Do outro lado da Flamboyant, um homem lidera outro grupo que avança em uma área de cerca de 2 mil metros quadrados. Nesse local, o líder, que os próprios invasores desconhecem o nome, só permite a entrada de pessoas cadastradas por ele. A equipe não entrou na área por recomendação de outros líderes. De fora é possível ver que grande parte da vegetação já foi derrubada.
Do lado esquerdo, encontramos dois homens com motosserras, que prestam serviços aos invasores. Cada árvore com tronco acima de 20 centímetros de diâmetro custa R$ 30,00 para ser posta abaixo. As mais finas são derrubadas por R$ 10,00. “Esse valor é só para derrubar, não é para desgalhar”, afirmou uma mulher que erguia um barraco com a madeira das árvores cortadas.
Aqueles que não têm dinheiro para pagar usam machados e terçados para derrubar árvores de até 60 centímetros de diâmetro. Foi o que fez um homem aparentando 40 anos. O tronco da árvore denunciava que o instrumento usado era o machado. “É difícil, mas a gente consegue”, disse ele, que trabalhavam na retirada dos galhos do terreno já demarcado.
Árvores de Amapá, Preciosa, Andiroba, Copaíba entre outras são derrubadas. Nesta sexta-feira já havia muito pouca vegetação alta. Um dos líderes afirma que a área de floresta abrigava animais como paca, cutia, tatu e macacos. Um bando de “sauim de Manaus”, espécie de primata que vive nas florestas da capital, migrou para o sítio Dom Bosco.
No fim da área invadida, descendo um barranco, passa um córrego, cuja nascente fica dentro da invasão, em área dominada por outro líder. Um homem indígena da etnia Mura se embalava em uma rede, à beira do córrego, atada em árvores. Ele disse que não foi uma escolha o terreno demarcado. “Foi o único que encontramos”.
A reportagem encontrou outros dois indígenas de etnias diferentes. Uma mulher idosa, carregando fogo para queimar o que sobrou das árvores, afirmou que mora sozinha em Manaus, em uma casa alugada, e tentar um terreno na invasão. Um homem com o terçado na mão, se apresentou como indígena e disse que também luta por um pedaço de terras. Não há, como em outras invasões recentes, uma organização indígena por trás. Um dos quatro líderes que atuam no local se apresenta como índio, mas não fala em nome dos indígenas.
Duas mulheres que montavam um barraco coberto com lona afirmaram que aquela é a única chance de conseguirem um pedaço de terra para ter a casa própria. “Nós botamos o nome da invasão de José Melo para ver se a gente recebe o apoio do governador. É uma forma de puxar saco pra ver se não tiram a gente”, disse. Os líderes em reunião com os invasores decidiram chamar as áreas invadidas de “José Melo I” e “José Melo II”.
Terras particulares
Um dos líderes afirma que as terras ocupadas pertenciam a um homem que já morreu e que não teria familiares em Manaus. As terras, segundo ele, teriam sido retomadas pela Suframa, que doou a uma empresa, a Construtora Soma. Na quinta-feira, 1°, um homem chegou ao local com um oficial de Justiça se dizendo dono de uma área, mas não soube informar à autoridade exatamente onde era o terreno. “O oficial de Justiça disse que estavam apenas fazendo o reconhecimento da área”. Ele não apresentou qualquer documento, segundo o líder.
Outra versão corrente na invasão é de que as terras são da Suframa, que no passado indenizou donos de sítios do local. Uma dessas áreas pertenciam às irmãs Salesianas. Os invasores mostraram os restos de uma construção que dizem ser da casa das irmãs. Próximo de uma das nascentes, ainda existe uma cacimba que eles dizem ter sido construída pelas freiras. Agora, a cacimba está servido para retirarem água para beber e cozinhar.
Suframa e MPF
A reportagem tentou contato com a Suframa neste sábado, mas ninguém da assessoria de comunicação da autarquia atendeu aos telefonemas. A intenção era saber se as terras em disputa são mesmo da Suframa e se a autarquia está tomando alguma providência.
Ao Ministério Público Federal a reportagem questionou se há alguma iniciativa no sentido de verificar a situação, já que na semana passada o instituição foi cobrada publicamente pelo deputado estadual Serafim Corrêa (PSB), na tribuna da Assembleia Legislativa. A assessoria do MPF informou que não seria possível uma resposta neste fim de semana e prometeu responde na segunda-feira.
Confira as imagens feitas por Valmir Lima e Valter Calheiros: