Por Jullie Pereira, da Redação
MANAUS – Entre a cruz e as balas. Ao pôr os pés no Clube de Tiro Ponta Negra, na zona oeste de Manaus, o visitante é recepcionado por uma cruz iluminada formada com elementos como armas de cowboy, um cinto, estrelas e faixas de patentes. O objeto é de metal e o som ambiente logo na entrada não é de estampidos, mas de rock and roll. Guns N’ Roses domina o local.
Ainda do lado de fora, quem chega já sabe que ali aprender a atirar certo e com segurança é a regra, conforme a frase escrita na parede. Os homens são maioria, mas algumas mulheres também marcam presença. A maior parte dos clientes toca em uma arma pela primeira vez e aprende instruções básicas sobre estar armado e as técnicas para apertar o gatilho.
Calouro no clube de tiro, o empresário Fred Rodrigues, 25 anos, ganhou o curso de presente de aniversário da namorada. Ele disse que sempre desejou atirar por esporte, mas também por segurança pessoal. Antes de pegar na pistola, Fred se armou com o celular. Tirava fotos, grava vídeos para registrar cada momento para postar nas redes sociais.
“É uma vontade que tenho desde muito cedo, sempre fui muito apaixonado por questões de armamento, de munições, sempre gostei muito desse mundo”, disse.
Dono de escola de idiomas, o empresário disse que se preocupa com os casos de mortes acidentais ou intencionais que ocorrem após disparos feitos por cidadãos comuns. Ele revelou que pretende comprar uma arma de fogo. O clube vende armas que variam de R$ 4,4 mil a R$ 18 mil.
“Ás vezes não é falha do armamento, mas do atirador. Vai muito do psicotécnico dele, da consciência. A pessoa tem que saber que isso aqui que tá na cintura dele pode matar alguém, precisa ter cuidado”, disse Fred.
Ao contrário de Fred, que estava empolgado, a bombeiro Raida Paixão, 48 anos, ficou assustada na primeira aula. “Eu nunca tinha vindo, agora que tô aprendendo a tocar [na arma]. Eu tenho interesse em conhecer, não de usar, mas conhecer”, disse. Raida procurou o local porque os bombeiros têm direito ao porte de armas, e disse que pretende voltar para aprender mais.
A advogada Aline Dantas, 36 anos, pretende fazer concurso da polícia e espera fazer parte das forças de segurança. “Eu já quero ter contato com todo esse mundo, tem a preparação depois do concurso e quero me familiarizar”, explicou.
Ela se sentiu um pouco insegura no começo, mas logo parecia confortável com o cenário, o barulho de tiros e os instrutores. “Quando a gente começa a ter o contato e sai da parte da ilusão, o que surpreende mesmo é o manejo, tocar na arma”, disse.
Direito à própria defesa
O instrutor João Paulo Elvas defende que o porte de armas seja liberado e que a legislação estabeleça estratégias de conscientização e principalmente “punição severa”.
“Não tem como o estado estar em todos os locais, o cidadão tem sim o dever e o direito de fazer sua própria defesa. Temos que criar mecanismos de fiscalização e não só isso, criar realmente as punições e que sejam cumpridas. O que gera insegurança é a sensação de impunidade. A pessoa atirar e ter a certeza de que não será presa, isso é que tem que acabar. É necessário responsabilidade e punição severa”, defende.
João Paulo diz que a maioria de seus alunos está interessada em usar arma como esporte, por curiosidade e relaxamento e, por isso, a cultura armamentista não representaria perigo. Policial civil há dez anos, João Paulo oferece cursos de como manusear armas para iniciantes.
O especialista em segurança pública Pontes Filho discorda da liberação do porte de armas. Pontes é doutor e professor de mestrado em Segurança Pública da UEA (Universidade Federal do Amazonas).
“São muitos os casos de acidentes envolvendo armas de fogo que vitimaram o próprio portador, alguém da família (filho, criança, cônjuge, amigo). Aliás, essas ocorrências são muito mais frequentes do que situações em que a arma de fogo foi utilizada para defesa com alguma eficácia”, diz Pontes Filho.
Segundo o especialista, também há muitos casos em que no curso de uma abordagem de criminosos, além destes produzirem o roubo, o assalto, o sequestro etc, ainda levam a própria arma do cidadão comum que se julgava protegido.
Acesso mais cedo
O jovem Bernardo Moreira, de 21 anos, que pratica tiro esportivo há três anos, diz que na prática a campanha do presidente Jair Bolsonaro para facilitar o acesso a armas de fogo não tornou o armamento mais acessível. “As armas de fogo continuam inacessíveis para muitos brasileiros”, disse. Ele é a favor de que a idade para solicitar o CR (Certificado de Registro) diminua.
“Aos 16 você pode escolher o Presidente da República, aos 18 pode servir às forças armadas, aos 21 você pode ser Ministro da Defesa e comandar as 3 forças, mas tem que esperar até os 25 para ter uma arma em casa para sua defesa ou para a prática do seu esporte”, argumentou.
Em agosto deste ano o Instituto Sou da Paz mostrou que a arma de fogo é o principal instrumento usado em assassinatos de mulheres no Brasil.
“Ao longo de vinte anos esteve presente em 51% dessas mortes. A participação da violência armada vitimando mulheres dentro de casa ganhou importância nos últimos anos, aumentando de 19% em 2014 para 26% em 2019”, diz o relatório.
Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostram que o número de novas armas de fogo cresceu 57,8% no estado do Amazonas entre 2019 e 2020. São 10.535 registros ativos.
O crescimento é atribuído ao governo Bolsonaro, que conseguiu cumprir uma de suas promessas de campanha e flexibilizou as regras para a posse o o porte de arma no país.
Em fevereiro deste ano o presidente assinou decretos que regularam a compra de armamento e munição por agentes de segurança e CACs (colecionadores, atiradores desportivos e caçadores) e flexibilizou o acesso e o limite para aquisição de armamentos e munições.
O instrutor de tiro João Paulo Elvas atribui o aumento no número de seus alunos às ações do presidente da República.