Por Rosiene Carvalho, da Redação
MANAUS – A cassação do governador e vice-governador do Amazonas e a possibilidade de cassação do mandato do presidente da República dividem opiniões de juristas, no Estado, em relação à escolha dos substitutos, ou seja, se deve ser por eleição direta ou eleição indireta.
Especialistas em Direito Eleitoral afirmam que em caso de vacância provocada por questões eleitorais deve ser aplicado o Código Eleitoral e, em caso de questões não eleitorais, se aplica a Constituição Federal. Esses especialistas ouvidos pelo ATUAL afirmam que é este o posicionamento que vem sendo adotado pelo STF (Supremo Tribunal Federal) e TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Juristas que não atuam na área eleitoral com frequência, defendem que a Constituição deve ser aplicada em ambos os casos. Após serem questionados pela reportagem de que o STF vem aplicando o entendimento apontado pelos eleitoralistas, opinaram que o posicionamento do Supremo pode ser alterado em função da nova composição da corte.
A discussão mexeu com o cenário político local, especialmente após a ALE (Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas) entrar com um mandado de segurança no TSE para que a sucessão de José Melo no Amazonas seja feita por voto indireto dos deputados estaduais. As duas ações diretas de inconstitucionalidade sobre o tema, apresentadas pela Procuradoria Geral da República e pelo PSD, devem colocar mais tempero no debate. Uma delas está pronta para ser julgada e tem como relator Luís Barroso que, no processo de Melo, votou para que fosse aplicado o Código Eleitoral.
CE x CF
O Código Eleitoral, nos parágrafos 3 e 4 do artigo 224 prevê que eleição indireta (voto nas casas legislativas) ocorre apenas no caso de vacância nos últimos seis meses de mandato.
O artigo 81 da Constituição Federal determina que, em caso de vacância nos dois primeiros anos de mandato, deve ser realizada eleição direta (voto popular) e, nos dois últimos anos de mandato, a eleição deve ser indireta. Ou seja, pelo Poder Legislativo.
Melo e Temer: diferentes
O TSE cassou os mandatos do governador e vice-governador do Amazonas, determinou a imediata saída deles da função e a realização de eleição direta com base no que determinam os parágrafos 3 e 4 do artigo 224 do Código Eleitoral. A realização de novas eleições diretas, independente do número de votos anulados, são efeito da mudança provocada pela Reforma do Código Eleitoral, em 2015, que o TSE decidiu aplicar nas cassações posteriores à Eleição de 2014.
O caso José Melo abriu precedente no TSE porque se a reforma do Código Eleitoral não tivesse sido aplicada, neste momento o senador Eduardo Braga (PMDB), segundo colocado em 2014, seria o novo governador do Amazonas. Mas, o texto do artigo 224 do Código Eleitoral já era aplicado em decisões do TSE e mantidas pelo STF antes da reforma e antes do caso José Melo. A alteração da reforma de 2015 apenas impede que o segundo colocado assuma sem o crivo da maioria dos eleitores.
De acordo com o advogado eleitoralista e professor de Direito Constitucional e Direito Eleitoral, Yuri Dantas Barroso, vacâncias em função de questões previstas no Código Eleitoral e em questões previstas na Constituição Federal têm recebido tratamento diferenciado no STF.
“No meu modo de ver, não tem como confundir as coisas. Cassação por consequências do que é previsto no Código Eleitoral, se aplica o que prevê o Código Eleitoral. Perda de mandato por renúncia, morte, por qualquer coisa que a Constituição especifique, dentro dos itens que podem ser imputados a um presidente da República ou a um governador ou a um prefeito, aplica-se o artigo 81 da Constituição. No Amazonas, o caso é de vacância por cassação de mandato. Só que o fato gerador da vacância é outro (diferente em caso de renúncia e impeachment)”, afirmou o advogado.
O advogado eleitoralista e conselheiro federal da OAB Daniel Jacob Nogueira defendeu os mesmos argumentos de Yuri Dantas na reunião da ordem que decidiu apresentar um pedido de impeachment contra o presidente Michel Temer ao Congresso Nacional. Daniel foi escolhido pelos demais conselheiros federais da ordem para a comissão de cinco pessoas que vai elaborar o pedido de impedimento de Temer.
Para Daniel, em caso de impeachment em função das denúncias da JBS sobre a conduta de Temer é preciso aplicar o que prevê a Constituição Federal: eleição indireta com base no Artigo 81.
“Temos que trabalhar com as regras pré-existentes do jogo. E as regras pré-existentes do jogo hoje são pela eleição indireta quer gostemos ou não gostemos. Se nós permitirmos a atuação casuística em modificações normativa para quando as regras pré-existentes não nos são convenientes, nós não poderemos dizer de forma legítima que a Constituição Federal é nossa ideologia”.
A eleição direta, segundo Daniel Nogueira, só se aplicaria se Temer fosse afastado em função de cassação de mandato no TSE. “Porque, caso ocorra a cassação do mandato do presidente da República no TSE, se seguida a ordem institucional, porque hoje a cassação é para o presidente e vice-presidente, os precedentes são todos neste sentido, cai a chapa como um todo. E, segundo os precedentes do novo ordenamento jurídico, neste caso não é vacância e, sim cassação do diploma. Nesta hipótese, é caso de eleição direta”, defendeu Daniel Nogueira na reunião da OAB que decidiu apresentar o pedido de impeachment de Temer.
O jurista e ex-membro do TRE do Amazonas Délcio Santos concorda com o entendimento de Yuri Dantas e Daniel Nogueira e afirma que esta não é uma opinião dele: “É o entendimento que o TSE e STF vem aplicando (…). O STF já dizia que a Constituição recepciona o artigo 224 do Código Eleitoral”, disse.
Para Délcio, não há dúvidas em relação a esta questão. Cassação nas hipóteses previstas no Código Eleitoral aplica-se o que determina o Código Eleitoral e, nas questões não eleitorais, a vacância deve ser solucionada com o que prevê o artigo 81 da Constituição Federal.
“As duas situações (Melo e Temer) são distintas, a princípio. Casos de renúncia, morte, impeachment, vacância prevista no Artigo 81 da CF é caso de eleição direta se for no primeiro biênio. Indireta se for no segundo biênio. É o que pode ocorrer com a presidência se for o caso de impeachment ou renúncia. Se Temer sair do mandato por questões eleitorais, aí aplica-se o artigo 224 do Código Eleitoral, que prevê eleição direta”, afirmou Délcio Santos.
Melo e Temer: iguais
O ex-procurador geral de Justiça do Amazonas, Francisco Cruz, afirma que a Constituição Federal não faz distinção dos tipos de vacância, eleitorais e não eleitorais, e que o Código Eleitoral, ao divergir da Constituição, não pode se sobrepor a ela.
“Gostemos ou não, seja melhor ou não, devemos obedecer a Constituição. Juridicamente, a eleição tem que ser indireta nos dois casos, na minha opinião. A Constituição do Estado também prevê isso”.
O professor de Direito Constitucional e presidente da Associação de Magistrados do Amazonas, o juiz Cássio André Borges, disse que não há diferença na vacância de José Melo e Michel Temer. “A diferença é que o TSE, ao decidir pela cassação do ex-governador Melo resolveu definir a forma de eleição, que, primeiramente, não compete a ele (TSE) e que, em segundo lugar, significa sobrepor uma legislação à Constituição da República. Daí porque eu entendo que, havendo vacância de presidente e vice, nos últimos dois anos, a eleição deve ser indireta”, disse.
Questionado sobre o posicionamento que o STF vem adotando ao artigo 224 do Código Eleitoral, Cássio André Borges respondeu: “O STF sofreu mudanças em sua composição daí porque é legítimo que os interessados busquem no Supremo esta representação. A Constituição não faz diferença em caso de vacância. Discordo deste entendimento (de aplicar regras diferentes)”, disse.
A ALE impetrou o mandado de segurança no TSE e não no STF.
Veja o que diz o artigo 224 do Código Eleitoral
Art. 224. Se a nulidade atingir a mais de metade dos votos do país nas eleições presidenciais, do Estado nas eleições federais e estaduais ou do município nas eleições municipais, julgar-se-ão prejudicadas as demais votações e o Tribunal marcará dia para nova eleição dentro do prazo de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias.
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3o A decisão da Justiça Eleitoral que importe o indeferimento do registro, a cassação do diploma ou a perda do mandato de candidato eleito em pleito majoritário acarreta, após o trânsito em julgado, a realização de novas eleições, independentemente do número de votos anulados. (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)
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4o A eleição a que se refere o § 3ocorrerá a expensas da Justiça Eleitoral e será: (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)
I - indireta, se a vacância do cargo ocorrer a menos de seis meses do final do mandato; (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)
II - direta, nos demais casos. (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)
Veja o que diz o artigo 81 da Constituição Federal
Art. 81. Vagando os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, far-se-á eleição noventa dias depois de aberta a última vaga.
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1º - Ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do período presidencial, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei.
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2º - Em qualquer dos casos, os eleitos deverão completar o período de seus antecessores.