Ainda refletindo sobre a personalidade colonizada da brasilidade, sobre a qual é vital debruçar-se criticamente para entender a formação periférica estrutural da mentalidade reinante, suas determinantes consequências, e arraigados implicações, cabe tratar aqui, então, sobre como o capitalismo brasileiro funciona de verdade, e como se opera a relação de poder no trata da classe deeseos trabalhadores.
Todo país que abrigou uma estruturação periférica convive, obrigatoriamente, com os desdobramentos incontornáveis de um país dependente, onde perdura o modo de entender e aceitar o mundo na ótica do subdesenvolvimento. Isto é, atrasado na educação, ciências, tecnologia e interpretação das contradições de base, nas relações multilaterais. E essa sina perdurará em sua história até que se reverta os condicionamentos fundantes deste país chamado Brasil, que mesmo tendo conquistado modernizações e desenvolvimentos setorial, tem esbarrado nessa visão subserviente a lhe impor um mote subliminar: “Daqui você não passa”.
E aí se encontra a emergência duma renovação radical do debate contemporâneo, posto que o essencial tem sido negligenciado. Não há discussão séria, fundamental para compreender, dimensionar e equacionar os problemas como o da violência, o desemprego, a miséria, a desigualdade, saúde e educação, sem atingir os condicionantes é determinantes dessas realidades, como se nadássemos em circulo ou nos condenássemos a carregar a pedra de Sísifo, a pedra colonial, até o topo da submissão justamente de um país dependente, incapaz de romper os grilhões que para si criou e recriou em todas as esferas da exaltação oca de um Brasil do berço esplêndido.
Para além da questão da dependência – mas com evidente conexão – existe dentro da nossa sociedade uma cisão profunda, mais significativa do que mera desigualdade econômica: a luta de classes por aqui se traduz com a formação de dois “Brasis”. Existe uma realidade objetiva para os ricos, e outra, muito mais dura para os pobres. Uma realidade para os brancos e outra para os negros. Uma para os homens e outra para as mulheres.
Tal realidade se é gritante e revoltante na leitura do cotidiano . Evidências são repetitivas e tem bases históricas bem localizadas. Não é preciso buscar a época do Império ou da República Velha. Basta ver o uso de pesos e medidas no exercício da magistratura, como o julgamento emblemático de Rafael Braga, preso porque roubou dois itens de limpeza e condenado a mais de 9 anos, e o caso de Breno Borges, filho de desembargador, pego com 130 kg de maconha e muita munição, solto, livre e leve pela áurea da figura paterna. Enfim, no país das carteiradas, preto, puta e pobre não tem vez, nem respeito e os bacanas não tem pudor. É o microcosmo do pensar imperialista, numa repetição cruel e incessante.
Esses casos não demonstram apenas arbitrariedades individuais que perpassam a justiça, traduzem funcionamentos profundos e a dinâmica da nossa história. E não se resolvem com programas sociais paliativos, como Bolsa Família, cotas, leis mais rígidas ou igualdade salarial. Ou com a benevolência da generosidade eleitoreira. O Brasil nunca foi um país de todos, com sugeriu o slogan petista, o Brasil sempre foi o país de poucos.
Esses imbróglios não são apenas problemas como quaisquer outros, são paradigmas que contribuem para o impedimento colocado diante do processo de conclusão do desenvolvimento geral. Esses aspectos atribuem ao capitalismo brasileiro a falta de qualquer perspectiva nacionalista. Impede que haja, portanto, qualquer real qualificação profissional e humana. Mantida essa dinâmica perversa estamos impedindo qualquer possibilidade de mudança estrutural.
O desenvolvimento até aqui, foi o desenvolvimento de apenas um dos lados. A custa de suor, lágrimas e sangue do outro lado. Isto é, o capitalismo que existe aqui não pode se comparar com o dos países centrais. O que existe aqui se particulariza enquanto a manutenção de privilégios de uma classe já privilegiada. E que dita o progresso econômico não só para bem próprio, mas por cima dos ombros dos despossuídos. Não de forma livremente selecionada, ou moralmente duvidosa, mas de forma estrutural.
Esse tipo de capitalismo não só perpetua o papel dos pobres de construtores reais do progresso burguês, como contraditoriamente também perpetuam a pobreza e a distância do papel de protagonista de sua própria história.
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