A grande crise do capitalismo explodida em 2008 abasteceu um funcionamento do sistema econômico bem peculiar desde então. A hiperfinanceirização da economia passou a ditar os limites e os caminhos que os países – e com óbvia consequência, suas respectivas populações – serão submetidos nesse período.
Diante disso, existe uma severa substituição na dinâmica dos embates políticos. Não mais se discute verdadeiramente um projeto de país – seja ele qual for. Pelo contrário, passa-se por cima de constituições e de vontades populares para dar poder a uma suposta tecnicidade livre de ideologias.
As preocupações de prender esse ou aquele político, se surpreender com a violência estrutural, e repetir o mantra do corte de gastos de forma indiscriminada tomou o lugar, quase que completamente, da contínua esperança, e cobrança, necessárias para efetivar a construção do tímido Estado social previsto na constituição formulada em 1988. Com isso, de duas uma: ou se rediscute, com ampla participação popular, que Brasil teremos como objetivo, ou admitimos que as leis e vontades do mercado são, em essência, antidemocráticas.
No caso do nosso país, a relação entre a vinda impetuosa das medidas de austeridade fiscal com a novas efetivações de intervenção militar podem, talvez, ser não apenas uma questão de concomitância. O tempo dirá o que uma tem a ver com a outra, de fato. Afinal, a austeridade, no sentido amplo, – para além da esfera fiscal – pode também querer dizer disciplina e contenção.
Se as ações militares no Rio dão de fato motivos, ou não, para temermos uma nova intervenção militar no Estado, do tipo que for, restringindo a autoridade dos poderes ou da democracia, é outra conversa. Contudo, o fato visto no mundo – mais especificamente, nos lugares onde a austeridade foi implementada – é que em momentos de crise se passará facilmente por cima dos direitos conquistado pelos trabalhadores. Tentarão preservar as regalias de alguns grupos de elite, colocando tudo isso como o único caminho possível.
Para quem assiste ao JN, ou a qualquer programa de “debate” da GN, a sensação de unanimidade entre os economistas é praticamente certa. Enquanto na verdade é que esse consenso é fabricado. Ele não existe. A pífia recuperação do PIB se dá com bases frágeis.
O ajuste fiscal – que teve seu início antes do impeachment, e que foi aprofundado e enrijecido após a implementação da equipe econômica de Temer – produz e produzirá uma diminuição sistemática das capacidades e obrigações que o Estado tem de ter em relação a sua população mais miserável, no mínimo.
As medidas austeras geram baixo crescimento e com isso a arrecadação cai. Fato este que servirá de argumento para algum economista mainstream vir à tona e proclamar “que se corte gastos”. Isto é, no argumento de suposto monopólio da resolução da crise, reside a justificativa para a eliminação de direitos fundamentais.
Na prática, a mudança dum projeto de país foi feita. Mais do que isso: a mudança dum mundo. Do tipo de homem que deve existir para realizar a demanda do sistema. Sem passar por nenhum outro crivo a não ser da tirania do mercado com seu terror financeiro. O projeto é de redução do Estado, e do crescimento de uma outra força, “extrapolítica” que subjuga todas as outras instituições. Ela não foi eleita. Não responde pela vontade de uma pessoa, nem possui uma identidade fixa de um grupo. Ela penetra tudo e todos. O ser humano vira coisa. E a coisa, vira ser humano.