MANAUS – O candidato do PMDB a governador do Amazonas, Eduardo Braga, em entrevista no Jornal do Amazonas, da Rede Amazônica, realizada nesta terça-feira, 14, foi questionado sobre a repartilha do ICMS aos municípios do Estado que retirou de Manaus e concedeu a Coari cerca de R$ 200 milhões, em valores não corridos, no ano de 2005. Braga deu uma resposta lacônica e apresentou apenas parte da verdade sobre os fatos que levaram o prefeito de então, Serafim Corrêa, a travar uma disputa judicial no Poder Judiciário local. O ATUAL recupera parte da história.
Na entrevista, o apresentador diz, sem conhecer os fatos em profundidade: “Um de seus aliados nessas eleições é o ex-prefeito e ex-governador Amazonino Mendes. Antes de sair da prefeitura, em dezembro de 2012, durante uma entrevista no ‘Amazônia TV’, Amazonino disse que o seu governo foi favorável a transferência de recursos do ICMS de Manaus para Coari. Esse repasse, inclusive, o Superior Tribunal de Justiça derrubou em 2009. Amazonino disse que isso provocou uma perda de R$ 2 bilhões nas finanças de Manaus, o que prejudicou as administrações de Serafim Corrêa e a dele. O senhor se arrepende de ter colaborado para que esse dinheiro saísse de Manaus para Coari?”
A resposta de Braga: “Eu nunca fiz isso. Na política, às vezes as pessoas estabelecem coisas que não são verdadeiras. Essa legislação foi feita na época em que Amazonino era governador, em 2002, o Supremo Tribunal e não o Superior Tribunal. O Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional a lei feita pelo Amazonino e aprovada pela Assembleia Legislativa da época, e, portanto, o Supremo Tribunal Federal decidiu revogar aquela lei. Depois, numa decisão do Tribunal de Justiça aqui do Estado do Amazonas foi determinado ao governo do Estado que o governo do Estado fizesse repasses à Prefeitura de Coari, por decisão judicial. Portanto, eu como governador jamais tomei nenhuma atitude contra a cidade de Manaus. Sempre apoiei a cidade de Manaus, sempre priorizei investimentos na cidade de Manaus…”
Braga disse a verdade sobre a lei aprovada no governo de Amazonino Mendes, em 2002. No entanto, ele participou de um acordo com os prefeitos da época, em troca de apoio político para a candidatura dele ao governo do Estado. A lei foi aprovada na ALE, como afirmou Braga, mas não sem protestos do prefeito de Manaus à época, Alfredo Nascimento. A lei foi aprovada sob forte esquema de segurança, com o afastamento do presidente da Assembleia Lupércio Ramos, e sob o comando de Belarmino Lins, o 1º vice-presidente, que depois viria a ser presidente por três vezes na gestão de Eduardo Braga. Os prefeitos reclamavam, em 2002, que Manaus ficava com uma fatia muito grande do ICMS e queriam que o governo do Estado refizesse a partilha, mas sem tirar dos municípios do interior. Alfredo Nascimento foi ao Supremo Tribunal Federal e conseguiu a revogação da lei, considerada inconstitucional. Braga já era o governador quando a lei foi revogada.
Passados dois anos, o então prefeito de Coari, Adail Pinheiro, ingressou com uma ação na Justiça estadual para obrigar o governo do Estado refazer os cálculos do valor adicionado do ICMS. Alegava que o município de Coari, com a operação do poço de Urucu e a venda de petróleo, teria direito a mais recurso do que recebia. Na Justiça, Adail venceu, e Braga foi obrigado a refazer o cálculo. Para isso, contratou estudo da Fundação Getulio Vargas, que apresentou um resultado surpreendente e de difícil execução. No recálculo, Manaus e Coari teriam suas receitas de ICMS elevadas e os demais municípios perderiam receita. Era tudo o que o governador não queria fazer, até pelo acordo pré-eleitoral de 2002.
Era 2005 e Braga resolveu tomar uma decisão: em vez de reduzir o ICMS dos municípios do interior, o governador decidiu retirar a parte que caberia a Coari da fatia que vinha sendo dada a Manaus. Quem conta essa história é o ex-prefeito Serafim Corrêa. Desde 2005, Manaus passou a perder cerca de R$ 4 milhões por mês para Coari. À época, o município de Coari teve o percentual elevado de 2% para 7% enquanto o de Manaus foi reduzido de 62% para 57%.
Serafim ingressou com uma ação na Justiça para reverter a situação e, mas a decisão só chegou no dia 29 de novembro de 2007, quando o Tribunal de Justiça do Amazonas deu ganho de causa à Prefeitura de Manaus. Com isso, depois de quase 30 meses e uma perda superior a R$ 100 milhões nesse período, a Prefeitura recuperou o direito de receber 62% do total dos recursos do ICMS destinado aos municípios.
Em seguida, uma série de liminares no Tribunal de Justiça do Amazonas derrubando a decisão de primeira instância impedia o restabelecimento do repasse de integral a Manaus. O TJAM chegou a mudar a decisão do juiz, o que fez com que a Prefeitura de Manaus recorresse ao Superior Tribunal de Justiça, onde conseguiu ganhar.
Adail Pinheiro ainda recorreu da decisão, mas não teve êxito. A decisão definitiva só ocorreu em dezembro de 2008, quando Serafim já estava deixando a Prefeitura de Manaus.
Amazonino
Em 2009, quando Amazonino Mendes assumiu o cargo de prefeito, em substituição a Serafim, encomendou um estudo do renomado advogado Carlos Mário Veloso, ex-ministro do STF, sobre as perdas de ICMS no período em que os recursos foram destinados a Coari, e quem deveria arcar com os prejuízos. Em um parecer bem fundamentado, Veloso concluiu que o dinheiro, cerca de R$ 200 milhões corrigidos, deveriam ser pagos pelo governo do Estado. Amazonino levou o estudo ao então governador Eduardo Braga, mas a devolução a Manaus nunca foi feita.
Operação Vorax
Serafim lembrou que os bastidores do Judiciário, no caso do processo envolvendo a partilha do ICMS e a disputa judicial entre Manaus e Coari vieram à tona com a deflagração da Operação Vorax, da Polícia Federal, que desarticulou uma organização criminosa que atuava na Prefeitura de Coari. A Operação foi deflagrada em 2008 e levou para a cadeia diversos secretários municipais. Escutas da Polícia Federal revelaram o envolvimento de juízes, atuando em favor de Adail Pinheiro. Os magistrados foram denunciados por tráfico de influência e advocacia administrativa ao Conselho Nacional de Justiça, que puniu dois dos envolvidos com a aposentadoria compulsória.