O auxílio-moradia nos moldes como foi instituído na República brasileira para o Judiciário e afins não é nem legal, nem legítimo. É apenas imoral. Vejamos: provocado por juízes federais, um ministro do Supremo Tribunal Federal (Luiz Fux), de forma monocrática, diz que seus colegas magistrados têm o direito de receber o benefício porque os ministros do STF recebem o malfadado auxílio-moradia. Não foi por força de lei – que só o Congresso Nacional tem a prerrogativa de criar – que o benefício foi instituído, mas por vontade de um magistrado, que agiu de forma corporativa.
O mais sensato, diante da provocação dos juízes federais (sempre eles), era o ministro examinar se o recebimento de auxílio-moradia por ministros do STF tinha legitimidade. Suponhamos que o ministro tenha que se deslocar de seu Estado de origem para Brasília e lá se instalar, mas mantenha familiares na terra natal. É natural que tenha, no mínimo, direito a imóvel funcional. Na ausência desse imóvel, também é natural que receba o auxílio em valor suficiente para custear o aluguel de um imóvel, porque está em terras distantes.
Essa situação, no entanto, não dá aos demais magistrados o direito de receber o auxílio-moradia, a não ser que esteja ele atuando fora do domicílio, mas neste caso, a legislação vigente já garantia o pagamento do auxílio. O que Luiz Fux fez foi estender a todos os magistrados, indiscriminadamente, o direito a receber auxílio-moradia, mesmo àqueles que têm imóvel próprio e que moram em suas cidades de origem. Assim fazendo, Luiz Fux não autorizou o pagamento de auxílio-moradia, mas de uma forma de complementação dos ganhos dos magistrados.
Mais imoral foi o guardião dos bons costumes do Judiciário, o Conselho Nacional de Justiça, regulamentar o pagamento, estabelecendo que ele não deverá ser superior a R$ 4,3 mil e deverá excluir apenas os magistrados que moram em imóvel funcional.
A esperança era de que o guardião das leis da Republica se rebelasse contra a aberração do pagamento do auxílio-moradia indiscriminado e ajuizasse ação para exigir o cumprimento da legislação. O Conselho Nacional do Ministério Público, para a decepção dos homens e mulheres de bem, seguiu a mesma métrica do Conselho Nacional de Justiça, e autorizou a extensão do tal auxílio a todos os procuradores e promotores (registre-se que a Advocaria Geral da União ingressou com ação no STF para suspender a norma criada por Luiz Fux).
Houve raríssimos casos de magistrados que rejeitaram o pagamento do auxílio-moradia por reconhecer a imoralidade da medida. Dois desses no Rio Grande do Sul. A maioria dos magistrados, promotores e procuradores prefere fingir-se de morto para não ser incomodada. Um agente público que respeita o contribuinte jamais aceitaria tal benefício.
Esse comportamento revela a herança de um país em que aqueles que exercem o poder tratam os demais membros da sociedade como súditos. Não reconhecem como iguais aqueles que trabalham para produzir a riqueza do país. Não lhes basta um salário, seja ele o valor que for. Se não vier escorado por benesses, como carro com motorista e gasolina, auxílios saúde, alimentação e moradia, cotas para restaurantes e telefones, e outras despesas que nenhum trabalhador tem direito em uma empresa privada ou mesmo no serviço público, os membros do poder não estão satisfeitos. Aliás, essa gente padece de uma fome insaciável e não mede esforços para beneficiar a si própria.
No caso do Tribunal de Justiça do Amazonas – que se apressou em instituir o auxílio-moradia a todos os seus membros, inclusive retroativo a setembro – e do Ministério Público do Estado do Amazonas – que agora institui o benefício, com lei aprovada na Assembleia Legislativa –, não custa lembrar que não conseguem atender a demanda de serviços que prestam à sociedade. Faltam juízes e servidores nas comarcas do interior, como faltam promotores e servidores nas promotorias. Muitas vezes, servidores são cedidos pelas prefeituras às promotorias dos municípios para garantir o funcionamento do Ministério Público. Mas nunca falta dinheiro quando magistrados, promotores e procuradores querem engordar as próprias contas bancárias.
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