Por vários momentos dentre as entrevistas de Lula sobre seu processo na Lava Jato, o ex-presidente repetia – como se demandasse do povo o apoio necessário para poder sobreviver – que desde que assumira o país pela primeira vez teve a certeza de que não poderia errar. Não só por ter finalmente chegado ao poder depois de décadas na luta, mas também, por entender que seria difícil um governo com raízes populares chegar e se manter por lá.
Daí, as três opções posteriores são de assustar qualquer sóbrio atento: qual seria pior? Lula achar que não errou durante seus mandatos; achar que errou somente na medida da corrupção; ou saber de todos seus erros e querer, mesmo assim, voltar com a intenção de manter a mesma prática conciliadora que não só aprofundou a qualidade de dependência do País perante a divisão internacional do trabalho, deu números estratosféricos para a corrupção e, por fim, derrubou Dilma quando ela não era mais interessante?
É sempre importante salientar que a trajetória e a tragédia do petismo, por mais que composta de erros olímpicos, não se caracterizou por um erro de implantação ou procedimento, pelo contrário, o que marcou esse governo é a sua própria concepção política e práxis melhorista – a aceitação e submissão total à ideologia burguesa. Isto é, o maior erro de todos foi planejado de antemão como uma virtude: não existe vida longa para um governo que tenta conciliar os interesses da espúria burguesia nacional, os mandamentos de Washington, ao mesmo tempo que tenta incluir, com limitado senso de caridade, as demandas populares dentro da periferia.
Evidentemente que não se esperava do PT nenhum tipo de governo revolucionário. E contrariando o que alguns esquerdistas mais otimistas chegaram a pensar anteriormente da solidificação do partido no poder, nem um tímido governo de transição progressista foi visto. Grosso erro. Na medida que a água vinha batendo na bunda o partido começou a chutar o balde e rechear, cada vez mais, o ministério com personagens da direita liberal: o ajuste não começou com Temer.
Por essas e por outras, a circulação da autocrítica se esgotou profundamente, como se houvesse momento melhor – para além de todos os momentos – para recuar e repensar suas práticas. Dentro de quatro paredes, não tem sido feita pelo visto – dada a insistência delirante em determinadas práticas. Publicamente, menos ainda: Lula, e parte importante da esquerda, repetem os mesmo bordões mitológicos de sempre. E o pior, a falta de autocrítica espalhou-se para todo o espectro político, acompanhada duma brutal esterilização crítica pelo lado popular. No povo ignorado e sabotado, começa a surgir alas que votam em Bolsonaro e acreditam no MBL como vanguarda intelectual do País.
Não deve ser vista com total pavor essa crescente polarização política no País. É muito pior na verdade esse pensamento relativista que tenta deslegitimar as diferenças substantivas entre esquerda e direita – elas existem e existirão por muito tempo ainda.
O que deve-se temer é uma polarização estúpida, antipolítica e acrítica, essa que enxerga – delirantemente – o movimento de autocrítica como uma compulsão por jogar no time oposto. Ora, não tem nada de impotência na autocrítica. Pelo contrário, é uma grandiosa virtude política. E aí que reside a maior tragédia do petismo e das críticas que sobre ele recaem: o julgam pelos seus erros, jamais pelas suas ‘virtudes’.
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