RIO DE JANEIRO – A população de idosos acima de 65 anos teve um aumento de 73% nos últimos 16 anos no Brasil. Nesse período, mais de 7 milhões de pessoas passaram a integrar essa faixa etária, que hoje representa 8% da população nacional, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Em 2030, essa participação subirá para 13% e, em 2060, para 27% dos brasileiros.
A escalada do envelhecimento, mais rápida do que a verificada em outras partes do mundo, impõe uma série de desafios para o País superar, como pagar a aposentadoria desse novo contingente de idosos.
Mas os problemas vão além e envolvem soluções na área de saúde e do mercado de trabalho. Para especialistas, a reforma da Previdência, em discussão no Congresso Nacional, é imprescindível para garantir a estabilidade do País. Mas não deveria focar apenas na questão fiscal. Medidas voltadas para a melhoria das condições de vida para essa população precisam ser estudadas em paralelo de forma a evitar riscos sociais, alertam dados do IBGE.
Apesar do rápido aumento do número de idosos nos últimos anos, o País não está preparado para o envelhecimento de sua população. Na Previdência, se não houver reforma, o governo não garante que terá condições de pagar todas as aposentadorias nos próximos anos; na saúde, os custos têm sido cada vez maiores; e no mercado de trabalho, as companhias não estão preparadas para empregar pessoas mais idosas.
Na avaliação do professor José Roberto Ferreira Savoia, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (USP), nos últimos anos, com a maior entrada de jovens no mercado de trabalho, as empresas se prepararam para empregar pessoas mais novas, não idosos. “O que ocorreu no Brasil é que houve uma rápida expansão da expectativa de vida da população. Em 25 anos praticamente dobramos o porcentual de pessoas com mais de 60 anos”.
De acordo com o IBGE, hoje a expectativa de vida das mulheres ao nascer é de 79,31 anos e dos homens, 75,18. Em 2000, era de 73 92 e 66,01 anos, respectivamente. Essa expansão deve continuar nos próximos anos. Até 2030, a expectativa de vida da mulher subirá para 82 e do homem, 75,28 anos.
Na Europa, diz Savoia, o envelhecimento da população ocorreu em 50 anos. “São duas gerações. É tempo suficiente para preparar o país para uma mudança tão radical”. Para Savoia, com a proposta de aumento da idade mínima de aposentadoria para 65 anos, o Brasil terá de correr atrás de medidas para resolver a questão. “Se querem que o idoso acima de 60 anos trabalhe, é preciso criar condições”, disse.
A pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Ana Amélia Camarano, também defende políticas voltadas para a população idosa que terá de trabalhar mais tempo para se aposentar. “A reforma da Previdência tinha de trazer junto a garantia de empregabilidade dos mais idosos de forma a reduzir o preconceito que ainda persiste no Brasil em relação ao trabalho dessa faixa etária”.
Para ela, que defende a necessidade de rever as regras da Previdência, o governo deveria promover políticas de saúde educacional e melhorias nas condições de trabalho para essa população. Além disso, se não houver cuidado com a reforma da Previdência pode-se criar problemas difíceis de serem solucionados no futuro, como o aumento de aposentadorias por invalidez. “Sem preparar o País para essas novas condições (aposentadoria aos 65 anos), o risco social é alto”.
‘Nem Nem’
Hoje, diz a pesquisadora, já tem havido um aumento dos chamados ‘Nem Nem’, homens que nem trabalham nem são aposentados. Segundo ela, essa população já soma cerca de 2 milhões de pessoas. Segundo Ana Amélia, um dos caminhos para evitar os riscos sociais é uma transição suave na reforma da Previdência. “No Japão, a cada semestre aumentava um mês na idade. Aqui não só a idade vai subir para 65 anos, como a contribuição de 15 anos para 25 anos”.
O governo garante que não haverá mudança brusca na reforma brasileira. O secretário da Previdência, Marcelo Caetano, afirma que a proposta no Congresso prevê um período de transição de 20 anos. “A reforma é um passo importante para preparar a sociedade para o envelhecimento que está a nossa frente”, disse o diretor executivo da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde) José Cechin, ex-ministro da Previdência do governo FHC.
Defensor da reforma em andamento, ele também acredita que o País precisa se preparar para o envelhecimento da população. Mas, ao contrário de outros especialistas, ele não vê no mercado de trabalho um grande problema. “Pessoas de mais baixa renda já se aposentam aos 65 anos. Quem poderia sofrer os reflexos dessa mudança seriam os profissionais mais qualificados, que se aposentam mais novos. E, para esses, não deve haver problema (para conseguir um emprego depois dos 60 anos)”.
Por outro lado, Cechin acredita que para ter uma sociedade mais justa, o País precisa investir em mais educação. Foi o que ocorreu na Coreia, diz ele. “O cidadão coreano fez da educação uma revolução, mas com o apoio do Estado. Temos de seguir por esse lado”.
Idade mínima
Diante do envelhecimento de sua população e de um déficit bilionário entre os recursos que entram e os que saem, o Brasil se prepara para alterar as regras de sua Previdência Social. Ao estipular a idade mínima de 65 anos, conforme a proposta do governo federal, o País segue a tendência da maioria dos países desenvolvidos, que também vêm unificando as idades entre homens e mulheres.
Já o tempo mínimo de contribuição, que deve passar de 15 para 25 anos, é consideravelmente maior do que o praticado lá fora, bem como a marca necessária para ter acesso integral ao benefício, de 49 anos.
Nos países desenvolvidos, cuja maioria já passou por um período de transição demográfica, a idade mínima é dominante – e vem subindo. A marca de 65 anos, que o Brasil quer adotar, já é praticada em vários lugares, como Canadá, Dinamarca, Suécia, Austrália, Japão, Finlândia, Espanha e Nova Zelândia.
Em muitos deles, a idade vai aumentar nos próximos anos, de forma gradativa. Na Alemanha e na Dinamarca, a idade mínima será de 67 anos em 2022; na Austrália, em 2023; na Espanha, em 2027; no Canadá, em 2029.
Em outros países, a idade mínima já é maior do que 65 anos, e o patamar também deve aumentar. Na Grécia, castigada por uma grande crise econômica, a idade mínima subiu para 67 anos, como uma das exigências da União Europeia para o pacote de ajuda fiscal. Nos Estados Unidos, subirá de 66 para 67 anos até 2022.
Na Itália, onde homens se aposentam com 66 anos e 3 meses e mulheres com 63 anos e 9 meses, haverá uma unificação, para ambos, de 67 anos em 2021. Os dados são do levantamento Pensions at a Glance 2015, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Para o professor de Direito Previdenciário da PUC-SP Walter Balera, a idade mínima é necessária para a reforma do sistema previdenciário brasileiro, mas teria de ser implementada de forma gradativa, como vem ocorrendo no exterior. “Muitos países estabeleceram o modelo de aumentar a idade mínima mediante o aumento da expectativa de vida. O pioneiro foi o Reino Unido, depois vieram outros, como Itália e Espanha”, afirma. “Deve, sim haver um aumento da idade, mas com algum espaçamento, de forma paulatina. Mudar de uma hora para a outra tanto a idade mínima quanto o tempo mínimo de contribuição quebra a expectativa das pessoas, ainda mais com um mercado de trabalho que as expulsa cada vez mais cedo”.
Além disso, pondera Balera, a expectativa de vida do brasileiro, atualmente na casa dos 75 anos, é inferior à observada nos países ricos – na média dos 34 países que integram a OCDE, já está acima dos 80 anos. Assim, o brasileiro teria menos tempo para desfrutar do benefício. “Calibrar a idade mínima pela expectativa de vida seria uma boa opção”, reforça o professor.
Contribuição
Se a reforma for aprovada no Congresso, além de atingir a idade mínima de 65 anos, será necessário ter contribuído por pelo menos 25 anos para ter direito à aposentadoria. Com esse tempo, o brasileiro vai receber 76% do benefício, sendo que só conseguirá se aposentar com o valor integral quem contribuir por 49 anos.
Os países desenvolvidos são menos rígidos nesse quesito. Em alguns, nem sequer há tempo mínimo de contribuição: o trabalhador recebe proporcionalmente em relação ao tempo que contribui. Em outros, há um tempo mínimo, mas bem menor que o brasileiro. Na Alemanha, é preciso trabalhar apenas cinco anos para ter acesso a alguma fatia da aposentadoria. Nos EUA e no Reino Unido, 10 anos. Na Itália, 15 anos.
Em relação ao tempo necessário para ter acesso ao benefício integral, no Reino Unido, são necessários 35 anos. Na Suíça, 44 anos para homens e 43 para mulheres. No Japão, campeão da longevidade, 40 anos, sendo que o tempo mínimo de contribuição é de 15 anos.
Mas nos países em que é possível se aposentar com menos tempo de contribuição, o benefício também é menor, podendo até ser inferior ao salário mínimo – o que não é permitido no Brasil. “O sistema brasileiro é significativamente mais generoso que os sistemas de Previdência de outros países em razão da indexação ao salário mínimo, que teve crescimento real de mais de 70% em uma década, e da alta proporção média do benefício em relação ao salário”, diz Jens Arnold, economista sênior da OCDE.
Nos países da organização, por exemplo, o valor médio que um trabalhador de renda média obtém com a aposentadoria representa 53% de seu salário, segundo a OCDE. Já no Brasil, a aposentadoria equivale, em média, a 70% dos rendimentos do trabalhador. “Há dois modos de enxergar a Previdência. Em alguns países, há um link mais direto entre o que você coloca e o que você tira. Já em outros, a Previdência é vista como uma poupança mínima, que tem de ser complementada com outras reservas e previdências privadas”.
Um exemplo, cita Arnold, é o Reino Unido, onde o aposentado recebe em média uma fatia de apenas 21,6% de seu salário. “O Brasil vai ter de caminhar nessa direção, de ver a Previdência como um complemento”, diz. “O problema é que os fundos de previdência privada não são tão grandes como em outros países e não contemplam a maior parte da população”.
(Estadão Conteúdo/ATUAL)