Nesta segunda-feira, dia 5 de junho, pesquisadores(as) do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) lançaram, na cidade do Rio de Janeiro, o ‘Atlas da violência 2017’ no Brasil. Disponível para a sociedade o documento pode ser acessado e ‘baixado’ em formato eletrônico digital para consulta, leitura, interpretações e fonte de novos estudos gratuitamente no link: http://www.ipea.gov.br/portal/images/170602_atlas_da_violencia_2017.pdf.
Chama atenção a página 15 do documento que representa na ‘Figura 2.1 as ‘Taxas de homicídio nos municípios brasileiros, 2005 e 2015’. Nesta figura a imagem do mapa do Brasil está pincelado de vermelho rubro, cor de sangue. Um Brasil ensanguentado com milhares de vidas ceifadas, interrompidas em tenra idade, ali representadas.
O Atlas da violência 2017 mapeia o crescimento vertiginoso de homicídios no Brasil detalhado nas regiões, estados e municípios. De acordo com o mapeamento, as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste permanecem no topo do registro de homicídios. Engana-se quem pensa que morreram mais ‘bandidos’ como argumentam muitos políticos reacionários e ortodoxos em seus discursos de apologia ao militarismo e ao porte de armas. O estudo baseou-se em fontes oficiais do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, e nos registros policiais publicadas no 10º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, do FBSP, que mapeou as taxas de homicídio entre 2005 e 2015. Os dados apontam que o Brasil apresenta uma percentagem de 28,9 homicídios para cada grupo de 100 mil habitantes. Essa taxa é maior que muitos países que vivem em guerra civil declarada. E mais grave ainda, cerca de 318 mil jovens entre 15 e 29 anos de idade, a maioria negros, tiveram suas vidas interrompidas nesse curto período.
O perfil das vítimas apresentado no Atlas, aponta dados importantes que faz a sociedade repensar questões relacionadas com a segurança pública e com estratégias de enfrentamento à violência. Dentre os jovens e adolescentes assassinados, a maioria era estudante das séries finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, trabalhadores com carteira assinada, estagiários e universitários. Vítimas de ‘bala perdida’ em confrontos entre a polícia e traficantes, assassinados em crimes banais, executados nas periferias das grandes cidades. Nas conclusões do documento uma frase assusta: “o que se observou nos dados é um futuro da nação comprometido”. Isso revela que os índices de mortalidade de jovens e adolescentes são inaceitáveis e envergonham qualquer nação.
Quanto ao perfil das pessoas assassinadas, 71% são negras. Ou seja, de acordo com o Atlas, ser negro no Brasil é um fator de risco. A chance de uma pessoa negra ser assassinada no país é 23,5% maior que as pessoas das demais identidades étnico-raciais. Outro dado importante na pesquisa é o aumento em 22% da morte de mulheres negras. A Região Norte aparece à frente nesses dados. Muitas dessas mortes estão diretamente relacionadas com a violência doméstica e com o porte de armas de fogo em casa. Maridos, companheiros ou namorados se sentem empoderados com o porte irregular de armas e por qualquer discussão banal disparam em suas companheiras, esposas, mães de seus filhos. Os resultados da pesquisa apontam que trata-se de um tremendo equívoco a defesa do porte de arma como forma de conter a violência. Muitas pessoas e políticos influentes e inconsequentes defendem o porte de armas e se colocam contra o Estatuto do desarmamento. De acordo com o Atlas que dedica todo o capítulo VII para tratar desse tema:
“No Brasil, o uso da arma de fogo como instrumento para perpetrar homicídios atingiu uma dimensão apenas observada em poucos países da América Latina. Somente em 2015, 41.817 pessoas sofreram homicídio em decorrência do uso das armas de fogo, o que correspondeu a 71,9% do total de casos. Na Europa, por exemplo, esse índice é bastante discrepante e encontra-se na ordem de 21%. Há uma larga literatura internacional que mostra que a proliferação da arma de fogo, além de representar um fator de risco para as famílias – porque faz aumentar o risco de suicídios, acidentes fatais envolvendo crianças, feminicídios e homicídios –, acarreta um aumento na taxa de homicídios na sociedade […] A cada 1% no aumento da proliferação de armas de fogo faz com que a taxa de homicídio aumente em torno de 2% nas cidades […]. Muitos crimes letais (seja feminicídios, brigas de bar, de trânsito, conflito entre vizinhos, etc.) acontecem num ambiente de conflito, em que o contendor com a arma de fogo na mão termina perdendo a cabeça e matando o oponente”. Afirma o documento na página 43.
De acordo com o documento há equívocos primários por parte da sociedade que continua, de forma errônea, relacionando o aumento dos homicídios à falta de policiamento sem levar em consideração a incidência de mortes provocadas pela intervenção policial considerada uma das mais violentas e letais do mundo.
“Enquanto isso, a sociedade, que segue marcada pelo temor e pela ânsia de vingança, parece clamar cada vez mais pela diminuição da idade de imputabilidade penal, pela truculência policial e pelo encarceramento em massa, que apenas dinamizam a criminalidade violenta, a um alto custo orçamentário, econômico e social”. Afirma o documento na página 26.
No decorrer da pesquisa chama atenção a quantidade de subnotificações de homicídios, principalmente daqueles envolvendo policiais, e a falta de investigação de casos de ‘execução ou crime encomendado’ que envolvem milícias com participação direta ou indireta de policiais. Isso revela a situação de falência do modelo de segurança que precisa urgentemente ser retomado e redirecionado com bases nos princípios éticos e morais orientadores da segurança pública, na formação e qualificação de seus quadros, nas condições materiais e estruturais de trabalho em todas as esferas da segurança enquanto dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, para nortear a efetividade do papel da segurança pública.
Nas conclusões finais da pesquisa outra comprovação envolvendo as Regiões Norte e Nordeste nos faz refletir sobre as questões de fundo que produzem a violência:
“Como era de se esperar, a arma de fogo continuou como personagem central na história da violência letal em 2015. 41.817 pessoas foram mortas por essas armas, o que correspondeu a 71,9% do total de homicídios no país. Depois de uma redução nas mortes por armas de fogo que se seguiu após o Estatuto do Desarmamento até 2007, observou-se um incremento nas mortes por esse tipo de instrumento nos últimos anos, sobretudo, no Norte e Nordeste do país”.
O município considerado mais violento do país, que se comparado aos índices internacionais figuraria também como um dos mais violentos do mundo, fica na Amazônia. De acordo com o documento:
“Para listar os 30 municípios potencialmente mais violentos e menos violentos do Brasil em 2015, o estudo considerou as mortes por agressão (homicídio) e as mortes violentas por causa indeterminada (MVCI). Altamira, no Pará, lidera a relação dos municípios mais violentos, com uma taxa de homicídio somada a MVCI de 107”.
Uma rápida análise do perfil dos municípios listados no Atlas como os mais pacíficos do país, Jaraguá do Sul e Brusque ambos no Estado de Santa Catarina, primeiro e segundo lugar respetivamente na lista, nos levam a entender que a diminuição da violência está ligada a diversos fatores. Dentre eles, esses municípios investiram muito para garantir a diminuição das desigualdades sociais e econômicas, criaram instituições para assegurar os direitos sociais, a participação ativa e efetiva da sociedade nos processos políticos, a gestão democrática, a geração de emprego e renda, melhoraram o atendimento à saúde, investiram em creche e educação infantil, criaram incentivos à cultura e lazer da juventude com espaços públicos acessíveis aos jovens, crianças e adolescentes, entre outros programas sociais. Isso fez com que despertasse na sociedade o sentimento de pertencimento e responsabilidade para com a coisa pública e, acima de tudo, investimento a médio e longo prazo na “cultura da paz e da não violência”. Comprovadamente, essa é a fórmula para diminuir a violência e as taxas de homicídio no país.
Diante disso conclui-se que armar a sociedade de forma irresponsável, militarizar a educação, tornar a polícia mais truculenta e letal, aumentar os muros e os aparatos privados de segurança, longe de diminuir a violência, fazem com que ela cresça porque essas estratégias estão estreitamente relacionadas ao “mercado do tráfico e circulação de armas” e da venda de pacotes de segurança privada. Nessa perspectiva, quanto mais desregulamentada estiver a violência e quanto mais altas forem as taxas de homicídio, mais lucra o mercado da morte e mais perde a sociedade.
Marcia Oliveira é doutora em Sociedade e Cultura na Amazônia (UFAM), com pós-doutorado em Sociedade e Fronteiras (UFRR); mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia, mestre em Gênero, Identidade e Cidadania (Universidad de Huelva - Espanha); Cientista Social, Licenciada em Sociologia (UFAM); pesquisadora do Grupo de Estudos Migratórios da Amazônia (UFAM); Pesquisadora do Grupo de Estudo Interdisciplinar sobre Fronteiras: Processos Sociais e Simbólicos (UFRR); Professora da Universidade Federal de Roraima (UFRR); pesquisadora do Observatório das Migrações em Rondônia (OBMIRO/UNIR). Assessora da Rede Eclesial Pan-Amazônica - REPAM/CNBB e da Cáritas Brasileira.
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Boa tarde!
Estou procurando informações mais detalhadas sobre as mortes violentas no Brasil, li o estudo acima e gostaria de mais informações.
é possível?
Na última tabela A1 soma das taxas de homicídio MVCI para cidades com mais de 100.000 habitantes, tem um estudo detalhado de cada tipo de morte?
Cerca de 55.000 Brasileiros e Brasileiras foram Mortos Violentamente, destes quantos eram:
– Pessoas de bem “Trabalhadores, Donas de Casa e Estudantes ( pais,mães e filhos ).
– Policiais.
– Políticos.
– Infratores Primários.
– Infratores recorrentes.
– Qual o percentual da população Negra do Brasil?
Agradeço a atenção e qualquer informação que possam me encaminhar.
Arnaldo Ghellere Perona