Eduardo Braga ufana-se especialmente de três de suas obras realizadas quando governou o Amazonas: a ponte sobre o Rio Negro, a Arena da Amazônia e o Prosamim – Programa Social e Ambiental dos Igarapés de Manaus. Fundaram-se, como agora se vê com clareza, em projetos equivocados que consumiram alguns bilhões de reais do depauperado contribuinte amazonense. Sobre essas iniciativas escrevi à época vários artigos críticos publicados na imprensa local.
A ponte sobre o Rio Negro, das mais caras do mundo, teria custado cerca de R$ 1,5 bilhão e representou uma tragédia em matéria de desperdício de dinheiro público. Foi também o que aconteceu no caso da construção da Arena da Amazônia, uma e outra edificadas com empréstimos que o povo amazonense levará anos para saldar.
Nenhuma das duas tiveram ou têm o menor sentido econômico e jamais justificarão a dinheirama que nelas foi investido. A ponte continua sem razão de ser, numa relação de custo-benefício zero, uma vez que a ligação de Manaus com a margem oposta do Negro é extremamente ociosa. Apresenta números mínimos, para não dizer inexistentes, de circulação de riquezas. Não tenho a menor dúvida, e os fatos são incontestáveis, de que o sistema de balsas poderia muito bem ser mantido ou ampliado, na hipótese de aumento da demanda. A Arena, pelo amor de Deus, mostra-se expres siva do delírio e da megalomania, com gastos em torno de R$ 1 bilhão. Puseram abaixo um belo estádio – o Vivaldão, projetado em harmonia com as características geoclimáticas da região, da lavra do notável arquiteto Severiano Mário Porto, prêmio nacional de arquitetura, para no lugar erguer um gigantesco elefante branco. Hoje nem sequer temos futebol, como já o tivemos no passado, que pudesse justificar tamanhos investimentos.
Preocupado com a grave inversão de prioridades, no início da construção da ponte, lembro que consultei engenheiro dos mais competentes no Estado sobre o que poderíamos fazer na capital com tão elevados recursos. A resposta veio de bate-pronto: com 3/5 do valor da ponte, poderíamos construir uma linha verde ligando o velho porto ao aeroporto da cidade. Uma via direta e elevada que teria resolvido em grande parte o trânsito caótico de Manaus, com várias saídas na direção dos bairros a serem cruzados pelo novo projeto. Na ocasião, expus a ideia, mas fizeram ouvidos de mercador e tocaram a obra, com interesses nem sempre confessáveis.
A ponte e o estádio modelam agora a paisagem de Manaus, como formidáveis monumentos ao uso sem proveito e ao esbanjamento no trato do gasto público. Num Estado de carências de toda ordem, o cobertor, já naturalmente curto, torna-se ainda mais insuficiente, quando administrado com irresponsabilidade, sem atender às prioridades impostas pela escassez orçamentária de meios financeiros.
A respeito do Prosamim, é claro que ninguém ousaria se opor à remoção de palafitas e habitações precárias que margeavam os igarapés urbanos de Manaus, fato que os tornava bem mais poluídos e infectos. Nada disso, ao contrário, porquanto impunha-se enfrentar o desafio, até com alguma urgência. Pois bem, mesmo ao custo de milhões e milhões de dólares, tomados sob empréstimo do Banco Interamericano de Desenvolvimento, cumpria reordenar a região e trazer de volta a beleza de nossos igarapés, devidamente saneados, além de oferecer moradia digna aos ocupantes das áreas degradadas e alcançadas pelo projeto.
No entanto, não foi o que fizeram. Ao invés de recuperados ou conservados, os igarapés foram destruídos e em seus leitos construídos conjuntos habitacionais, cujos aspectos causam preocupação, uma vez plotados em sítios centrais e históricos da cidade, com configurações que comprometem procedimentos de revitalização dos locais e insultam a face da urbe. Em Seul, capital da República da Coreia, o governo gasta bilhões de dólares em projetos de recuperação de cursos d’água urbanos soterrados, enquanto aqui matamos o que já tínhamos, o que a natu reza nos ofereceu como dádiva generosa.
Manaus guarda uma topografia encantadora e suas fraldas são docemente beijadas pelo Rio Negro. É cheia de pequenos relevos, baixadas ou depressões, e já foi entrecortada por muitos riachos. Com os anos, o lindo rosto da cidade foi sendo criminosamente alterado, com sucessivos aterros e obras em áreas impróprias. Tivemos mais igarapés centrais, onde hoje encontram-se as avenidas Eduardo Ribeiro e Getúlio Vargas, e não custa lembrar que nos fins de semana, em passado ainda recente, frequentávamos os muitos balneários da cidade, com suas águas límpidas e translúcidas. Na atual Ephigênio Salles havia uma sucessão de banhos e de clubes com piscinas de águas naturais, o que também se via nos demais bairros de Manaus, todos devastados pelo ‘progresso’ e pela incúria de administrações insensíveis às vocações históricas da cidade.
Vale imaginar quão ainda mais bela seria a nossa amada Manaus, mantida suas inclinações de origem, senhora de suas próprias águas, nem um pouco incompatíveis com seu posterior desenvolvimento urbano. Como sou otimista, tudo ainda é possível, basta que haja alguma sensibilidade e muito amor, à cidade e a seu povo.