Despolitização das massas permeia os fenômenos do cotidiano, com prisões espetaculares e indignação moral de todo lado, fatos e artefatos bastante sintomáticos, embora residualmente contraditórios. Caminhamos de mãos dadas com uma apatia renovada diante do velho modo da população fazer política, enquanto nos agitamos a queimar nas ruas em manifestações diversas a chama da insatisfação não damos a ela a oportunidade, a forma e o movimento da transformação.
Falando de Brasil – em especial sobre os governos petistas – é prudente falar que a política de conciliação de classes fortaleceu a despolitização das massas. E isto estava dado como início da proposta lulista – foi preciso deixar muito claro para a burguesia nacional que não havia iminência de forte articulação política das massas que ameaçasse seus interesses.
Dado que as mobilizações são historicamente processos lentos, se não há um empenho de um governo dito de esquerda para a conscientização mínima da classe trabalhadora, não restam então muitas alternativas emancipatórias. Portando, de duas, uma: ou haverá uma apatia política consolidada, ou, em tempos de crise, como agora, as transformações virão, e o povo despolitizado não saberá o que fazer com isso. Não estamos avançando na consciência das contradições do sistema que são parte fundamental do movimento. Temos chance de perceber nessa apatia alguma verdade ou narrativa imanente de mudança, admitindo, desde Freud, que o inconsciente diz muito mais que o consciente?
Os técnicos costumam falhar na previsão em tempos crise, justamente pelo seu caráter caótico. Foi assim, por exemplo, na crise de 2008, e da mesma maneira nas manifestações de 2013 – ninguém previu que uma bomba iria estourar. Contudo, resta aos pensadores tentar ouvir o que diz o fogo das ruas que insiste em não apagar, embora oscile ou vacile em sua explicitação. Todavia é razoável supor a analogia de que o fogo, assim como na natureza, representa a destruição de algo, ou o transformando em cinza a partir da qual surge então algo novo, no rumo da revitalização?.
Algo parecido é o que afirma perigosamente o destacado filósofo esloveno Slavoj Zizek ao falar sobre a vitória de Donald Trump na disputa da presidência americana. Enquanto político, o republicano não traz nada de positivo ou admirável, entretanto sua chegada é capaz de trazer um senso de urgência mobilizadora, capaz de estremecer as estruturas ideológicas que muitas vezes produzem a venenosa melancolia das massas, ao negarem sua capacidade de transformação factual.
O preço a pagar – caso as ideias, ou bravatas, de Trump sejam cumpridas pode ser altíssimo, apesar de não haver prognóstico que afirme que com Hillary no poder haveria uma melhora significativa de alguma coisa. Pelo contrário: para Zizek, deixar as coisas como estão é apontar para a catástrofe inevitável, como a consolidação de uma terceira guerra mundial de dimensão nuclear.
Há quem insista na polêmica tese que é preciso ver o circo pegar fogo para que então possa se construir algo novo. E há quem aponte para essa postura como um idealismo descabido. Sobretudo é difícil acreditar que a vigente estrutura política ainda consiga dar algum fruto significativo para o desenvolvimento justo.
De volta a realidade brasileira, as contradições se acirram também de modo crescente. Onde impera a ideologia liberal de liberdade de escolha, apresenta-se contraditoriamente uma impossibilidade de escolha, como dizem os economistas todos os dias nos grandes canais dominantes de comunicação “Não há outra caminho”. Evidente demonstração do tradicional gerenciamento do medo para limitar as possíveis saídas fora do jogo sujo.
Nada novo sobre o sol, a ideologia continua a proclamar a falsa consciência invertendo a realidade: Colocam o caminho esgotado como a única saída, enquanto atribuem todos os outros planejamentos como ilusões, ou utopia, em seu pior significado de lugar nenhum..
Vale então recolocar o bordão medonho dos economistas de forma a complementá-lo: não há outro caminho que não seja pela raiz, origem real da via radical. As possibilidades dentro da burocracia estão perdendo oxigênio consumido pelo fogo, impedindo que a Democracia respira no seu sopro literal e visceral!