MANAUS – No mês em que Estatuto da Igualdade Racial completa cinco anos, a historiadora da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) Patrícia de Melo Sampaio declarou que o “Amazonas é um dos estados mais racistas do País”. A declaração foi dada durante o 4º Encontro do Fórum de Mulheres Afro-Ameríndias e Caribenhas realizado em Manaus no final de semana. O evento reuniu cerca de 200 pessoas no Bloco J da Universidade Nilton Lins, zona norte de Manaus. Representantes da Venezuela, Cuba e ativistas dos movimentos Negro, Indígena, de Mulheres, Culturais e da Juventude no Amazonas participaram das atividades.
A professora Patrícia Sampaio é autora do livro “O Fim do Silêncio: a presença negra na Amazônia”, lançado em 2012 e pesquisa o tema há mais de dez anos. “O Amazonas é efetivamente um dos estados mais racistas do País e isso não é só uma frase de efeito. Porque ao lado de todo um processo que é comum ao Brasil de discriminar, excluir, inferiorizar e desqualificar populações negras e indígenas como parte da nossa formação de uma sociedade de privilégio, o Amazonas acrescenta um elemento a mais, nesse processo: ele silencia sobre a presença e participação dos pretos e pretas na sua formação”, declarou Patrícia Sampaio.
A historiadora afirmou que há uma silêncio criminoso sobre a presença de negros e negras no Amazonas que anda na contramão de outros estados que se esforçam de maneira sistemática em fazer reconhecer o valor da cultura negra na formação de suas sociedades. “Dessa maneira, você destrói a memória histórica, nega a existência de todas esses homens e mulheres que fizeram muito para que nós chegássemos a esse ponto. E, principalmente, você nega às futuras gerações a possibilidade de ter acesso ao seu passado. E quem não conhece o seu passado está condenado a repetir os erros”, afirmou.
Patrícia criticou a massiva indicação da formação da sociedade amazonense entre indígenas, brancos e nordestinos. “Se coloca o nordestino como se fosse uma raça e se ignora que esse povo é formado por não-brancos. Se esquece que tem uma cor por trás disso. O nordeste teve uma grade presença de populações de origem africana e essas pessoas migraram para a Amazônia. O boi-bumbá é maranhense, mas tem forte ligação e raiz nas tradições de matizes africanas”, declarou a historiadora.
A professora afirmou que na Manaus do século 19 as forças de trabalho para o funcionamento da sociedade eram exercidas por negros e negras escravizados, indígenas e negros e negras livres. Manaus tinha uma característica diferente das demais capitais das províncias. Havia um grande número de negros e negras livres mas que viviam sobre a carga do preconceito por causa das cor de suas peles. E até hoje não receberam o reconhecimento de suas contribuições no processo de formação da cidade.
“Índios e negros dividiam as tarefas e trabalhos mais pesados na sociedade manauara. Esses povos compartilhavam a experiência do mundo do trabalho. Na história da formação da cidade de Manaus, o trabalho indígena foi fundamental, ao lado do trabalho das pessoas de origem africana, escravos ou não”, disse.
A historiadora afirma que dados de sensos realizados no século 19 indicam que o Amazonas era a província com menor número de escravos. Cerca de mil. “A província imediatamente anterior era o Mato Grosso com cerca de 6.600. A diferença entre a última e penúltima era de cinco mil escravos. Uma diferença muito grande. Mas os pretos e pretas livres nessa terra tinham que se esforçar para viverem como livres. Sofriam toda a carga do preconceito, da invisibilidade”, declarou.
Patrícia afirmou que toda esse negação se reflete de forma nociva na sociedade atual tanto nos segmentos que mais diretamente lutam contra a invisibilidade das populações negras quanto nas várias estatísticas que mostram que os negros lideram rankings de agentes e vítimas da violência urbana, por exemplo. “O silêncio é criminoso. Daí a importância dos movimentos sociais organizados. O silêncio sistemático poderia ter impedido que, só no ano passado, cinco comunidades quilombolas fossem reconhecidas no Estado. Temos em Manaus o segundo quilombo urbano do Brasil. Não podemos permitir que essas pessoas desapareçam do mundo do direito, do acesso especialmente dos direitos à cidadania. Somos um país diverso. Respeitar a diversidade é nossa tarefa, na construção da cidadania desse País. Deve ser o nosso compromisso político mais inalienável”, disse.
Resistência indígena
A tucana e mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Sociedade e Cultura na Amazônia (PPGSCA-ICHL-Ufam), Otacila Barreto, expôs a importância da resistência dos povos indígenas para ocupar espaços de poder com o objetivo de garantir direitos coletivos.
“O acesso à cidadania vai depender da interação entre esses povos. Isso vai fazer com que eles sejam capazes de estabelecer uma união e coesão para garantir que suas reivindicações sejam atendidas. As reivindicações dos povos indígenas são coletivas. É diferente dos não indígenas que lutam pela garantia de direitos individuais e particulares. Temos que ter união para avançar dentro da sustentabilidade”, disse.