Já no século IV, Santo Agostinho, ao se debruçar sobre a conjuntura que se situava, começava a refletir sobre os limites de linguagem e de significação vigentes à época, como uma impossibilidade de alcançar uma certa “comunicação com Deus”.
A linguagem – localizada histórica e socialmente – trazia certa rigidez jurídica, típica dos homens de sua época, de maneira a estar muito além da realidade divina que Agostinho se referia e almejava.
Já na maturidade, após passar e se constituir perante essa linguagem normativa de seu tempo, o Santo se deu conta de que aquilo não era suficiente para lidar com novas realidades, tarefas e exigências e com suas percepções de totalidade que havia conseguido por sua filosofia e religiosidade – nada daquilo era suficiente para traduzir o movimento da realidade.
Dessa forma, pode-se enxergar paralelos com a complexidade da crise generalizada que nos encontramos no Brasil de hoje. Tal angústia advinda da realidade política já não fornece palavras para explicar ou entender o que se vive – e o pior: mal nos fornece material para refletirmos sobre possíveis saídas.
Essa investida tirânica que de forma trágica rasga com facilidade jurídica direitos trabalhistas acumulados por décadas, começa, além de sugerir para a população o que de fato está em jogo, a vaga suspeita da necessidade uma saída mais radical – provoca também, entre a quadrilha legislador, certo constrangimento perante a população.
Isto é, já é possível ver políticos – que até outrora assumiam o discurso golpista e tirânico – tirando o pé do acelerador com medo de como a classe trabalhadora pode reagir. Ou seja, perder os votos, ou algo pior.
É preciso ter em vista, que a crise brasileira – e a mundial – não estão mais no patamar de crise cíclica. O capitalismo se encontra em crise estrutural e generalizada. Essa veio pra ficar, e suas consequências se apresentarão até o fim, implicando, de qualquer forma, em uma mudança radical do modo de vida da população. E caso não haja mobilização necessária, esse modo de vida será, inevitavelmente, pior.
Para isso, se faz necessário, mais do que nunca, a constituição de uma nova linguagem, que possa estabelecer um diálogo efetivo com a maioria da população, a mesma que sofre, e sofrerá cada vez mais, os efeitos desse grande projeto nacional de contra-reforma que visa, sobretudo, a manutenção de uma burguesia antinacional em detrimento do desenvolvimento da autonomia brasileira.
Como disse um dia Leonel Brizola, comentando sobre a reforma agraria: ou é na lei, ou é na marra. Não foi na marra, logo não foi na lei. O poder institucional é, por via de regra e de natureza, burguês. Por mais que possa, aqui-ou-ali, tomar medidas de agrado do povo, ele jamais pode ser encarado como força neutra. Basta ver que, na história de todos os golpes de Estado, houve o apoio do Poder Judiciário – assim foi em 1964, assim foi em 2016.
Não é mais possível apostar somente na prática constitucional como forma de transformação efetiva, é preciso, concomitante a ela, estabelecer uma linguagem de emancipação popular definitiva. É preciso, assim como Agostinho quis um dia, poder falar o infalável, narrar o inenarrável, transformar o que se apresenta falsamente como imutável.