Da Redação
MANAUS – O juiz auxiliar do TRE-AM Bartolomeu de Azevedo Júnior suspendeu, na noite desta quinta-feira, a entrevista que o governador Amazonino Mendes (PDT), candidato à reeleição, concedia à TV Band Amazonas, a pedido do candidato do PSC, Wilson Lima. A entrevista substituía o debate que os dois candidatos fariam nesta noite, mas Wilson Lima desistiu de participar alegando falta de clareza das regras.
À tarde, o candidato do PSC ingressou com pedido no TRE-AM para que a Justiça Eleitoral suspendesse a entrevista, prevista entre as regras do debate em caso de falta de um dos candidatos.
Amazonino já concedia a entrevista quando a emissora foi notificada da decisão e encerrou a transmissão. O apresentador Carlos Ceschi Jr. encerrou a entrevista lamentado a atitude do candidato Wilson Lima. “Agradeço a presença do candidato Amazonino Mendes e lamento a situação em que nos colocou o outro candidato, inclusive ferindo princípios democráticos, lógicos e imparciais do jornalismo do grupo Bandeirantes de Comunicação”.
Wilson Lima argumentou que as regras do debate não estavam claras, que o pai da candidata a vice-governadora na chapa de Amazonino, Francisco Garcia, é sócio da Band Amazonas e que “a realização de tal evento importaria em um debate engodo, beirando à ofensa à igualdade da disputa”.
O candidato Amazonino Mendes e a Band Amazonas se manifestaram nos autos do processo, alegando não existir as irregularidades alegadas por Wilson Lima. Amazonino, inclusive, alegou que o objetivo do candidato do PSC era fugir do debate na noite desta quinta-feira.
O juiz Bartolomeu Júnior considerou que o grau de parentesco entre o dono da emissora e a candidata a vice-governadora da chapa de Amazonino poderia induzir a uma quebra de isonomia.
“Especificamente, o candidato que possui ligação familiar com a emissora responsável pelo debate, poderá ter acesso a todas as perguntas previamente gravadas, indicadas em um bloco especifico do debate, podendo inclusive se preparar mais adequadamente em razão exclusiva da não surpresa, daí, em tese, estaria configurado o tratamento privilegiado”, disse, na decisão.
Abaixo, a íntegra da decisão?
DECISÃO
PROCESSO N. 0602178-23.2018.6.04.0000
CLASSE: PETIÇÃO (1338)
REQUERENTE: WILSON MIRANDA LIMA
Advogados: Advogados do(a) REQUERENTE: NEILA MARIA DANTAS AZRAK – AM10584, HERALDO ANTONIO CORREA JUNIOR – AM13798, ALMIR ALBUQUERQUE DOS SANTOS ANSELMO – AM8441, ACRAM SALAMEH ISPER JR – AM6715, LUIZ EDUARDO PECCININ – PR58101, LUIZ FERNANDO CASAGRANDE PEREIRA – PR22076, MAITE CHAVES NAKAD MARREZ – PR86684, PAULO HENRIQUE GOLAMBIUK – PR62051, RAFAELE BALBINOTTE WINCARDT – PR90531, HELDER CINTRA BASTOS – AM012929
REQUERIDO: RADIO E TELEVISAO RIO NEGRO LTDA
Advogados: Advogados do(a) REQUERIDO: TAMMY TELLES LIMA DA SILVA – AM8701, NATASHA CRISTINA PEREIRA DE JESUS – AM8437, BARBARA CARULINA MENDES CUNHA – MG155246, IGOR GOES LOBATO – SP307482, RONALDO SANTOS MONTEIRO – AM7502, HUMBERTO ROSSETTI PORTELA – MG91263, MILTON EDUARDO COLEN – MG63240, JULIO DE CARVALHO PAULA LIMA – MG90461
DECISÃO
Trata-se de Petição aviada interposto pelo candidato Wilson Miranda Lima, concorrente ao cargo de Governador do Estado do Amazonas, em face do debate a ser realizado no dia 18.10.2018, às 21:00h pela Band Amazonas.
Argumenta, em apertada síntese, que: a) em que se pese ter participado de reunião para definir assuntos do debate, percebeu da leitura atenta que as ditas regras não se encontravam claras, especificando os blocos dispostos na Ata de Reunião, conforme evento 122279; b) o pai da candidata da vice-governadora, Sr. Francisco Garcia Rodrigues, é sócio da Rádio e Televisão Rio Negro LTDA, filiada à Rede Bandeirantes de Televisão; c) diante dessas duas questões, ausência de definição claras quanto às regras do debate, bem como laços familiares do proprietário da emissora, poderão ocasionar vulneração da isonomia eleitoral; d) que a realização de tal evento importaria em um debate engodo, beirando à ofensa à igualdade da disputa; d) requereu, por fim, a realização do debate em questão.
O candidato Amazonino Armando Mendes manifestou-se (evento 12291), alegando: a) erro na distribuição, pugnando para o envio da presente petição a um dos Membros da CAJA; b) quanto ao mérito, aduz que o Requerente esteve na reunião a qual foram definidas as regras do debate, não fazendo nenhum sentido e clareza o intuito do candidato, que quer, na verdade, fugir do debate democrático de debates e ideias. Ademais, o art. 46 da Lei das Eleições não define a obrigatoriedade de definição prévia de temas; c) quanto à alegação do pai da candidata a vice-governadora ser sócio da emissora, é uma circunstância pública e notória, certamente de sabença do candidato e que a assertiva do candidato Amazonino Mendes ter acesso às perguntas, numa só tacada ofende a honra do candidato e dos profissionais de jornalismo responsável pelo evento; d) postula, por fim, a redistribuição do processo aos juízes da CAJA e, no mérito, o indeferimento do pedido com o prosseguimento do debate.
A empresa Rádio e Televisão Rio Negro LTDA se manifestou nos autos, conforme evento 1222305, aduzindo em síntese que a manifestação do Requerente lhe causa estranheza, vez que a emissora respeita o art. 46 e seguintes da Lei nº 9504/97, onde ambos os candidatos deliberaram acerca das regras do debate. Assim, não merece prosperar a referida petição, pugnando que seja julgada totalmente improcedente.
É o breve relatório. DECIDO.
Entendo que a matéria está guardada pela competência do Pleno do Tribunal Regional Eleitoral, vez que a questão não se trata de propaganda irregular, direito de resposta, propaganda impulsionada, infringência as regra do artigo 73 do CE, estas sim de competência da Comissão de Apoio aos Juízes Auxiliares – CAJA.
Passo a análise das leis 9.504/97 e 12.891/2013, especificamente no panorama da relatividade dos direitos fundamentais à liberdade de manifestação de pensamento e à liberdade de imprensa.
Em tese, o debate está sendo promovido pela empresa Rádio e Televisão Rio Negro LTDA, filiada da BAND, órgão de imprensa.
A Constituição Federal de 1988 tutela, em seu art. 5°, inciso XIV, o direito “[…] ao acesso à informação, e disseminação de informações, sendo vedada a censura. Em linhas gerais, desde o preâmbulo constitucional, ao se adjetivar como democrático o Estado que se pretendia constituir pela Lei Maior, ressalva-se, indiretamente, a possibilidade de livre circulação de ideias. Isso porque é corolário à democracia, sistema que permite a escolha dos titulares do poder público pelo conjunto da sociedade, o debate sobre méritos e deméritos dos cidadãos que almejam esses importantes postos. (Bonavides, 2000, 265-8).
Entendo, contudo, que se é verdade que a liberdade de expressão é acolhida pela Constituição Federal 1988, também é correto dizer que não se pode considerá-lo um valor absoluto, isto é, não é um direito a vigorar em todas as hipóteses em que seja invocado. (Neves, 2010, 286-332).
In casu, a dita liberdade de expressão, configurada pelo direito da Emissora planejar, convidar e realizar um debate não pode ocasionar um desequilíbrio no processo eleitoral, fato este reclamado pelo Requerente, premissa que se acolhida, estaria em consonância com a relativização da garantia constitucional acima indicada, pois a isonomia no processo eleitoral deve prevalecer.
O valor da isonomia entre candidatos foi expressamente enunciado pela Constituição Federal de 1988, como fator de legitimação do mandato, pois se autoriza, no § 9º de seu art. 14, a edição de Lei Complementar para tratar de inelegibilidade, de modo resguardar a “probidade administrativa”, a “moralidade para exercício de mandato” e, ainda, “a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta”. Valor esse também presente em outras normas constitucionais, como o § 10 e § 7º do art. 14 da CRFB/88.
Quanto ao grau de parentesco entre o dono da emissora e a candidata a vice-governadora da chapa do candidato Amazonino Armando Mendes (fato público e notório) pode induzir a uma quebra de isonomia.
Cabe dizer que é pertinente aos jornais e revistas emitam opinião favorável ou desfavorável a algum candidato, como também lhe dê tratamento privilegiado, desde que não seja matéria paga ou com conteúdo nitidamente inverídico, calunioso, contudo, ao caso em questão, não se trata do presente permissivo legal, pois a questão está, em tese, relacionada a informações privilegiadas que um candidato poderá ter em detrimento de outro.
Especificamente, o candidato que possui ligação familiar com a emissora responsável pelo debate, poderá ter acesso a todas as perguntas previamente gravadas, indicadas em um bloco especifico do debate, podendo inclusive se preparar mais adequadamente em razão exclusiva da não surpresa, daí, em tese, estaria configurado o tratamento privilegiado.
A tensão existente entre a liberdade de imprensa e manifestação de pensamento e a necessidade de se garantir a isonomia eleitoral foi, recentemente, objeto de apreciação pelo Supremo Tribunal Federal, na Ação Direita de Inconstitucionalidade n. 4451, o qual deferiu medida liminar acerca dos incisos I e II do art. 45 da Lei n. 9.504/1997.
O voto do Ministro Ayres Britto, em linhas gerais, mitigou os efeitos do referido dispositivo, reafirmando a importância do direito fundamental à liberdade de imprensa, que não é compatível com a ideia da institucionalização da censura prévia, ainda que também tenha asseverado que as emissoras de rádio e televisão não podem, com sua atuação, abusar do poder que lhes é conferido:
[…] Não cabe ao Estado, por qualquer dos seus órgãos, definir previamente o que pode ou o que não pode ser dito por indivíduos e jornalistas. Dever de omissão que inclui a própria atividade legislativa, pois é vedado à lei dispor sobre o núcleo duro das atividades jornalísticas, assim entendidas as coordenadas de tempo e de conteúdo da manifestação do pensamento, da informação e da criação lato sensu. Vale dizer: não há liberdade de imprensa pela metade ou sob as tenazes da censura prévia, pouco importando o Poder estatal de que ela provenha. Isso porque a liberdade de imprensa não é uma bolha normativa ou uma fórmula prescritiva oca. Tem conteúdo, e esse conteúdo é formado pelo rol de liberdades que se lê a partir da cabeça do art. 220 da Constituição Federal: liberdade de “manifestação do pensamento”, liberdade de “criação”, liberdade de “expressão”, liberdade de “informação”. Liberdades constitutivas de verdadeiros bens de personalidade, porquanto correspondentes aos seguintes direitos que o art. 5º da nossa Constituição intitula de “Fundamentais”: a) “livre manifestação do pensamento” (inciso IV); b) “livre […] expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação” (inciso IX); c) “acesso a informação” (inciso XIV) […]. (Brasil, 2012a, 277).
Diante das considerações aqui postas, acionando o comando cautelar a fim de assegurar a isonomia entre os candidatos, DEFIRO EM PARTE a petição autuada pelo candidato Wilson Miranda Lima, para suspender o debate então marcado para o dia 18.10.2018, às 21:00h, pela Rádio e Televisão Rio Negro LTDA, resguardando o direito de igualdade entre as partes, em estrito cumprimento ao comando do artigo 45 da Lei nº 9.504/97.
Entendo de igual modo, que a presente medida não traz qualquer risco de irreversibilidade, vez que, afastado o risco de quebra de isonomia pelo grupo de comunicação indicado, especificamente aos itens indicados no petitório, do qual em tese, determinado candidato teria acesso privilegiado, o debate poderá ser realizado a tempo e modo, tudo em conformidade com a orientação já prevista em lei, e acordada entre as partes.
Cumpra-se com urgência.
Manaus, 18 de outubro de 2018.
BARTOLOMEU FERREIRA DE AZEVEDO JUNIOR
Juiz Auxiliar do TRE/AM nas Eleições Gerais de 2018