Esta terceira semana de setembro – “pra não dizer que não falei de flores” – sem dúvida ficará marcada na história como a semana onde os dois maiores símbolos de corrupção começaram a ser encurralados definitivamente. A novela jurídico midiática tem dado mais Ibope e emoção do que as dramatúrgicas da Globo.
Entretanto, o fundamental, aquilo que corre em essência,e que de fato abriga a maior importância, deixa de ser visto. Prender Lula ou Cunha, enquanto indivíduos, altera a situação tanto quanto a prisão de um traficante, ou a mudança de um ator numa peça de teatro. Talvez haja alguma diferença, circunstancial que, posteriormente, se provará pequena diante do desenrolar do drama político – que está longe do fim.
Existe um ímpeto martirizador que tenta, ingenuamente, atribuir todo o caráter corrupto a uma individualidade ou outra. Mesmo consciente que a corrupção não esta a cargo de alguém ou um partido, existe uma espécie de ranking que tenta atribuir quem é mais corrupto; qual lado errou mais; quem é o culpado da situação.
Isto é, a velha necessidade maniqueísta de concentrar os problemas em alvos particulares, em detrimento de uma análise conjuntural, sistêmica, material e histórica da totalidade.
Este discurso individualista e individualizador pode ser visto na imensa maioria dos discursos sobre as contradições da brasilidade. Um exemplo interessante é a força da pobreza de ideias e ambições da esquerda contemporânea. Acaricia-se a panaceia de uma eleição, para descobrir um novo líder para o executivo como a realização plena da democracia, ou uma solução representativa que o povo precisa – nada mais longe da verdade, nada mais pueril e inócuo.
Esta semana comemorou-se como um título mundial a retumbante cassação de Eduardo Cunha, bandido que ninguém mais quer ter seu nome a ele associado, por não ser capaz de representar mais nada de bom ou útil.
Com Lula, não é exatamente igual o que acontece: mesmo com a oficialização de denúncias, Lula ainda é associado como o maior símbolo da ascensão econômica parcial de milhões de brasileiros. Ainda é possível associar ao ex-presidente ações producentes em nome do interesse público.
A política de Lula foi responsável, entre outras coisas, por dar acesso e consumo a coisas que faziam a classe média ter a sensação de riqueza e soberania própria da classe burguesa. Num sistema que apoia o discurso falacioso da meritocracia, uma política de conciliação de classes não consegue durar sem conflitos: ” quem não teve ‘sucesso na vida’ não pode ser igual aos sortudos quem tem os direitos básicos como privilégios.”
A realidade que passa de forma oculta pelas denúncias de corrupção é que jamais um partido, com pretensões de esquerda, poderia subir ao poder – diante um Congresso corrompido e atrasado politicamente como este – sem que para isso fosse necessário realizar acordos e manobras bem distantes de seus ideais primários – quando não, obscuros, imorais, corruptos, ou simplesmente equivocados.
O discurso de mudança estrutural se apresenta tímido, enquanto os discursos mais comuns se apresentam insanos e iludidos. Querendo mais do mesmo, daquilo que nunca foi capaz de dar o que era justo.
O buraco é mais em baixo, como de costume. A prisão de sujeitos, como os da vez representa que somente o mínimo de funcionalidade das instituições tem acontecido – nada mais do que isso.
Precisamos olhar além da marmita da família, da merenda tucana e do caviar da contravenção, e enxergar a totalidade e as contradições deste momento de história real e explicação virtual, e descobrir que nossos problemas não são somente os políticos corruptos e mal preparados, nosso problema é mais dramático, estético e patético do que possa parecer….
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