Os professores da rede estadual de ensino estão proibidos, sob pena de responderem a processo administrativo, de manifestar seu posicionamento sobre assuntos de ordem: religiosa, ideológica e político-partidária. Sendo assim, estará obrigado o professor a manter total neutralidade no exercício de suas funções, da mesma forma fica a partir deste momento proibido a qualquer docente motivar seus alunos a participarem de manifestações, atos públicos ou passeatas, cabendo a secretaria de estado de educação (Seduc) e ao conselho estadual de educação (CEE) fiscalizarem o cumprimento desta lei.
O parágrafo anterior parece mais com algumas daquelas leis implantadas na época da ditadura militar, mas infelizmente não é, na verdade é uma síntese da lei denominada “Escola livre”, aprovada recentemente pela assembleia legislativa do estado de Alagoas. É fato que o governador Renan Filho (PMDB) até se esforçou para que o projeto de lei não prosseguisse chegando a rejeitá-lo, mas os deputados conseguiram derrubar seu veto, sendo ele agora obrigado a promulgar a lei, caso se negue a própria casa legislativa tem mecanismos legais para fazer a promulgação.
Neste lamentável episódio há duas controvérsias bem interessantes, a primeira é a de que o autor do projeto, deputado Ricardo Nezinho, é do mesmo partido do governador que claramente não apoia o texto proposto, e por isso o rejeitou. A segunda, é de que apesar de o projeto tratar sobre educação, mais precisamente sobre uma questão muito específica que é o processo ensino-aprendizagem, o deputado Ricardo Nezinho tem formação em Medicina Veterinária não podendo ser considerado propriamente um profissional da área, contudo, em seus sete meses de tramitação o projeto certamente foi analisado pelas comissões da casa legislativa, inclusive a de educação, conseguindo ser aprovado em todas.
Contudo, talvez se o deputado tivesse dedicado um pouco do seu tempo a pesquisar mais sobre aquilo que propôs com certeza chegaria a conclusão que seu projeto é, na prática, inexequível. O motivo disto as ciências humanas já nos ensinam a muito tempo, não há como o sujeito, sendo professor ou não, se distanciar tanto de seu objeto de análise a ponto de ao falar sobre ele sua opinião poder ser considerada neutra. Mas digamos que os professores de Alagoas se esforçassem muito para atender esta lei, quem avaliaria isso? Criaríamos comitês de análise política, ideológica e religiosa em cada escola? E os membros desse grupo, quem garantiria a isenção deles?
Apesar de óbvios esses questionamentos nos conduzem a um raciocínio através do qual é fácil perceber o absurdo que é esta proposta, que em última análise incorre naquilo que tenta de maneira equivocada combater, uma vez que nasce da visão preconceituosa de que professores, sendo em sua maioria de esquerda, usam a escola como instrumento de doutrinação política, religiosa ou ideológica, e, sendo assim, precisam ser combatidos nesta prática. Em uma análise rápida é fácil se perceber o quanto de carga política e ideológica há por trás da lei em questão.
O mais inacreditável de tudo é a proibição de professores poderem “incitar”, como diz o texto da lei, os alunos a participarem de atos públicos, como protestos e passeatas. De maneira objetiva, isso significa que mesmo que uma comunidade escolar esteja sendo vítima do descaso de uma gestão, o que é muito comum em escolas públicas, nada os professores poderão fazer no intuito de mobilizar os alunos a protestarem por melhores condições, nem mesmo se juntar a eles em um ato público será permitido, sob pena de isso ser encarado como incitação.
O fato é que a lei tem causado bastante indignação entre professores e alunos de todo o Brasil, e até a Seduc de Alagoas já se manifestou no sentido de acionar a procuradoria geral do estado para alegar a sua inconstitucionalidade, o ministério da educação (MEC) também já acionou a advocacia geral da união (AGU) para que entre com uma ação direta de inconstitucionalidade, no entendimento do ministério este tipo de norma representa um cerceamento do magistério. Sendo assim, desejamos que ela seja derrubada e que não surja mais nada desse gênero em nenhum outro estado do Brasil, afinal, em tempos de democracia ameaçada como os que vivemos hoje, nunca é bom dar oportunidade para que a censura se instale novamente em nosso país, principalmente nas salas de aula.