Angústia de quem vive, como dizia Vinicius, a morte é e será sempre a indesejada das gentes, segundo Bandeira. Quando chega de forma trágica, agride com a violência de um soco duro e inesperado. A dor mostra-se logo insuperável, com feridas que dilaceram o corpo e cortam fundo na alma. Só o tempo é capaz de lentamente cicatrizar os golpes, ainda que as marcas permaneçam indeléveis, como sinais definitivos dos sofrimentos causados.
Ao contrário dos poetas malditos, que cultuavam a morte, céticos diante da existência e do universo, nosso bardo maior, Manuel Carneiro de Souza Bandeira, celebrou a vida, com seu lirismo libertário. Mas, resignado, advertiu que a parca encontraria ‘lavrado o campo, a casa limpa, a mesa posta, cada coisa em seu lugar’, quando dele se aproximasse, ‘dura ou caroável’. Já em Pasárgada, na condição de amigo do rei, afastaria qualquer vontade de se matar, certo de que teria a mulher que quisesse, na cama que bem escolhesse.
Na trilha da sabedoria, dom divino dos poetas, o gênio de Olavo Braz Martins dos Guimarães Bilac, indignado com a morte, ‘desgrenhada e fria’, via a indigitada chegar num magnifico dia de sol, ao vislumbrar o céu esplêndido e a delícia da vida, no belo palpitar dos olhos da amada. Tudo para indicar que a morte é atroz, o abismo pleno e irremediável.
Com Eduardo Henrique Accioly Campos, pernambucano da melhor estirpe, tal e qual Bandeira, a morte não o defrontou numa manhã de sol, muito menos com o campo lavrado, a casa limpa, a mesa posta e cada coisa em seu lugar. Chovia, uma chuva fina e intermitente no lugar da tragédia, com o mar nas franjas, que já havia sepultado o patriota Ulysses Guimarães, uma catástrofe de igual modo das mais funestas.
Campos, certamente em seu estado de origem, já tinha deixado tudo muito bem arrumado, no lar e fora dele – uma bela família e governador o mais bem avaliado do País, reeleito em Pernambuco com cerca de 80% dos votos do Estado. Pretendia agora estender o coração e o acendrado amor ao Brasil a todos os brasileiros, deserdados nestes tempos tão sombrios pela falência da esperança. Candidato a presidente da República, trazia consigo um novo discurso, com propostas que sinalizavam o sepultamento de formas ultrapassadas e condenadas de fazer política no País, com os velhos e conhecidos caciques, senhores de todos ranços do patrimonialismo, que sedimentam há séculos projetos fisiológicos de assalto ao poder.
Ainda assim, inflexível nos propósitos e nas ações, sempre guardou a cordialidade no trato com o mundo áspero e nem sempre palatável da política. Tinha consciência das pesadas dificuldades que enfrentaria no projeto de construção de uma Nação diferente, extirpada dos vícios do lulopetismo, que corroem as instituições, via aparelhamento do Estado. Nunca foi um radical, de cara fechada e mal-humorado, com posições empedernidas e conceitos para sempre estratificados. Ao contrário, sempre esteve aberto ao diálogo franco e enriquecedor, contanto que condicionado ao interesse público, qualidade hoje das mais raras dentre os políticos presentes na ribalta da ação partidária no País.
Sua última aliança política foi questionada por setores importantes da sociedade brasileira, que jamais o admitiram vinculado ao sermão extremado e intolerante, em contraposição à sua personalidade afável e indulgente. Nesse caminho estreito, que o afastou de composições que alargariam horizontes eleitorais, não sei se ganhou mais do que perdeu, mas preferiu seguir adiante, contornando obstáculos que foram e vinham sendo postos em seu caminho.
Portanto, será difícil substituí-lo, para não dizer impossível. Ninguém nos partidos que constituíram a coligação que sustentava o candidato tem o seu perfil e muito menos compromisso com a legenda que presidia, o PSB, de tantos nomes reconhecidos em nossa história política. A solução até então aventada, em torno do nome da acriana Marina Silva, não corresponde aos anseios e expectativas do projeto original que embalou a candidatura de Campos, porquanto a designada vem apenas de passagem pela agremiação socialista, a caminho de sua Rede – um sonho, como a própria proclama em alto e bom som.
Como se vê, uma tragédia em todos os sentidos. Resta-nos tão somente prantear o homem que pensava o Brasil sob ângulos inovadores e que talvez pudesse conduzir a Nação pela estrada da contemporaneidade.
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