Tenho lido em respeitáveis órgãos da mídia nacional informações óbvias a respeito da admissão dos embargos infringentes pelo Supremo Tribunal Federal no caso do Mensalão. Como não poderia deixar de ser, a decisão envolve apenas e tão somente uma preliminar de admissibilidade do recurso previsto no Regimento Interno da Corte. Bem, até aí morreu Neves. Mas, ao avançar-se na conclusão de que mesmo assim as penas de José Dirceu ‘et caterva’, poderão ser mantidas inalteradas, cai-se no mínimo na mais tola ingenuidade.
É claro que em termos processuais e em tese a possibilidade de confirmação da condenação existe e qualquer iniciante no estudo das letras jurídicas sabe disso. No entanto, o que se pode observar, especialmente pela nova composição do STF, é que na hipótese jamais ocorrerá.
Com os infringentes do julgado, a questão será revisitada, no tocante à formação de quadrilha, vista como chefiada por José Dirceu, uma vez que teve quatro votos favoráveis à sua absolvição no ponto. Como sempre, votaram em seu benefício os ministros Dias Tofoli e Ricardo Lewandowski, com deliberação inesperada no mesmo sentido de Carmem Lúcia e Marco Aurélio, enquanto os demais membros optaram pela condenação. Muito bem, com o ingresso de Luís Roberto Barroso e Teori Zavascki, o que esperar agora, a não ser a revisão da condenação, considerando que ambos já sinalizaram qual caminho seguirão. Ratificados os votos de Carmem Lúcia e Marco Aurélio, Dirceu sairá lépido e fagueiro do regime de prisão fechada para o aberto, com as regalias inerentes ao sistema, facilitadas e ampliadas por sua condição histórica de mentor do governo petista, ao lado de Lula e tantas outras estrelas da mesma constelação.
Se Carmem Lúcia e Marco Aurélio mudarem de posição, teremos verdadeiro milagre, que só se opera no campo das ocorrências extraordinárias ou fantásticas, raras no mundo dos vivos. Portanto, a esta altura pode-se dar como favas contadas a absolvição de José Dirceu e de seus comparsas mensaleiros do crime de formação de quadrilha, que se verifica quando três ou mais pessoas se unem com o objetivo de cometer ilícitos, segundo o Código Penal. Não haveria, por conseguinte, como deixar de tipificar a participação de seus mais famosos atores, à época de sua efetivação sob reunião permanente, como integrantes de uma quadrilha com o propósito de aparelhar o Legislativo, via corrupção de parlamentares, com a finalidade de eternizar no poder o projeto de governo do PT.
É neste aspecto que o voto definidor de Celso de Mello pecou, levando-se em conta que admitir os embargos já conduziria à absolvição dos culpados, com a chegada dos novatos ao Supremo Tribunal Federal. Por sinal, em favor deles, diga-se que nenhum procurou ocultar suas reais inclinações, desde o momento de sua escolha pela presidente Dilma Rousseff até a sabatina a que foram submetidos no Senado Federal. Ambos, Barroso e Teori, manifestaram suas inquietações e discordâncias com os rumos do julgamento do Mensalão pela maior corte de justiça do país.
Sobre a justificativa de Celso de Mello de que jamais se submeteria ao clamor popular ou à pressão das multidões, que exigem a punição dos culpados, tem-se nessa avaliação insustentável equívoco do decano do STF. Nem tanto ao mar e nem tanto à terra. O juiz, independente dos aspectos técnicos e jurídicos que necessariamente devem informar a sentença judicial, com rigorosa independência e autonomia, não pode ignorar pura e simplesmente a voz da opinião pública, o sentimento das grandes massas ou contingentes da população. Há de haver certo tempero, como bem observa o desembargador Jorge Álvaro Marques Guedes, do Tribunal Regional do Trabalho do Amazonas. Será sempre aconselhável mesclar a racionalidade da Ciência Jurídica com os anseios e expectativas da sociedade em nome e no interesse da qual o poder é constituído.
Convém notar que o recebimento ou não dos embargos revelou-se uma questão polêmica de tal forma que levou à partição igual do STF, ainda que desde sempre previsíveis os votos de Lewandowski e Tofoli. Por isso mesmo, plausível a rejeição dos infringentes, ponderando-se que nunca na história do Supremo assegurou-se com tamanha intensidade o processo legal, a ampla defesa e os recursos que lhe são inerentes, como no julgamento em causa, na esteira do mandamento constitucional do Diploma de 1988. Foram mais de 50 sessões plenárias, com instrução processual que quase chega a uma década, perícias, exames, audiências com testemunhas de todos os réus, formulações escritas e longas sustentações orais dos advogados, sem que se possa falar em qualquer tipo de cerceamento de defesa, mesmo remoto.
Prolongar a conclusão do Mensalão, como o fez agora Celso de Mello, indefinidamente, é cometer injustiça contra o povo brasileiro, na condição de vítima final e maior das ofensas graves cometidas contra o Estado Democrático de Direito, com a manipulação criminosa de um dos poderes da República. Só espero que tudo isso não termine como grande piada de salão, segundo as previsões cínicas e debochadas de Delúbio Soares, notório mensaleiro e tesoureiro eterno do PT, o primeiro a ajuizar embargos infringentes e um de seus maiores beneficiários.
Mas, como no Brasil tudo é possível, paciência.