O último 13 de março, além de um dia decisivo na luta contra a corrupção e o abuso do poder econômico e político, pode ter sido também o “golpe de misericórdia” para deflagrar o processo de impeachment da presidente Dilma.
As manifestações por todo o país expressaram-se não apenas contra a corrupção e abusos, sejam eles abusos econômicos ou políticos, mas também contra o atual grupo partidário à frente do governo federal. Vai ser muito difícil segurar o processo de impeachment a partir de agora. Quais os riscos que importa, nesse momento, a ocorrência de um impeachment ou afastamento da “presidenta”?
O principal seria repetir velhos erros, típicos da manipulação política, caindo novamente na armadilha de certos grupos viciados no joguete eleitoreiro e plutocrata, ávidos para ascender ao poder a todo custo e prosseguirem com o ciclo cleptocrático em curso, agora em proveito próprio e blindados pela grande mídia. Isso seria muito prejudicial ao país, pois condenaria gerações atuais e futuras. Na prática, reduzir-se-ia o dia 13 de março ao maniqueísmo do jogo pelo poder e suas correspondentes irracionalidades.
Além desse, há outros riscos, semelhantemente graves no sentido de reduzir as aspirações da nação a um processo de trocas de chefias. Por exemplo, o vice-presidente, peemedebista Michel Temer, ser cassado pelo TSE. E, em razão das denúncias aceitas pelo STF, Eduardo Cunha, atual presidente da Câmara Federal, poderá também poderá ser afastado. Dos atuais atores políticos, não tem ninguém com alguma credibilidade pra assumir o país. A oposição está desacreditada, pois seus líderes também foram várias vezes citados na “lava-jato”, a exemplo do PSDB de Aécio e FHC. Só a própria operação “lava-jato” poderá dizer quem resistirá e sobreviverá política e eleitoralmente até o final.
Caso o impeachment ocorra até o final do ano, poderiam ser convocadas novas eleições ano que vem. Mas se o país e suas instituições políticas não forem efetivamente depuradas e reformadas, tudo vai ter sido em vão, pois irão cair de novo nos velhos vícios, que começam desde as articulações eleitorais. E o que dizer então dos partidos? Como introduzir processos mais transparentes e democráticos na vida intra-partidária? Como fazer dos partidos organizações a serviço da sociedade?
Nesse ano, ocorrerão eleições municipais, no segundo semestre. Embora o ano esteja prematuramente quase perdido, o país deveria fazer as reformas de que necessita. Tudo terá sido inócuo se ficar somente na jogatina eleitoral de trocar “seis por meia dúzia”. É preciso combater a corrupção e o abuso econômico com medidas concretas, reforma política, partidária e eleitoral consequente. E não apenas estacionar no jogo eleitoral, que somente se importa com a troca de grupos à frente do poder, ou seja, do comando político do Estado sem alterar e aprimorar as regras com vistas a dar maior qualidade de representação, transparência e legitimidade. Isso é fundamental para promover a credibilidade das pessoas nas funções e instituições de mediação política.
Difícil fazer qualquer previsão agora. Tudo ainda está meio embasado. E, muito embora torça e espere que não, poderão vir tempos ainda mais tensos. Os indícios não são os mais promissores. Além do mais, cabem algumas questões básicas, tipo: caso se dê o afastamento do atual governo, seja quem quer que o assuma, irá manter o mesmo ritmo e rigor das investigações? Permitir-se-á que as instituições de controle continuem a investigar com certa autonomia e profundidade o que deve vir à luz ou tudo se reduzirá a destituir um governo que caiu em desgraça?… “Tantos relatos. Tantas perguntas”, como diria Bertold Brecht.
Apesar de todos esses riscos e incertezas, é imprescindível que o Brasil empreenda uma consequente reforma política. O país precisa realmente ser passado a limpo. Suas instituições de representação política e seus poderes precisam ser refundados, sobretudo numa perspectiva mais promissora de justiça, de cidadania, de solidariedade, fundamentos éticos essenciais a um modelo político democrático. É necessário fomentar um processo de aprimoramento das instituições de mediação política, tais como os partidos, cargos e funções políticas, além de critérios mais qualitativos pra exercer tais cargos e funções públicas eletivas, sobretudo baseados na idoneidade. Por isso, o último 13 de março pode ter sido decisivo não apenas na luta contra a corrupção e os abusos de poder, mas também como referência do anseio popular pela reforma política com vistas à construção de um novo modelo político mais efetivamente democrático para o país.
Pontes Filho é Cientista Social
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